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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Wiseman em DVD! (DocLisboa 2008 #-1)

Wiseman em DVD! Seria uma boa ideia, se nos estivéssemos a referir à recente edição da sua obra. Mas não, era antes a primeira sessão do DocLisboa 2008, e a correspondente primeira surpresa... desagradável.
Todas os filmes da Retrospectiva Wiseman nas salas do Cinema Londres, com excepção de LA DERNIÈRE LETTRE, cuja cópia é em 35mm, serão projectados em suporte DVD. Ora tomem lá. Isto porque o Cinema Londres não possui um projector de 16mm ou não existem condições para o instalar. O DocLisboa 2008, com o maior orçamento de sempre, de 900.000 Euros, não conseguiu resolver a situação, por exemplo, alugando um projector 16mm ou simplesmente colocando os filmes de Wiseman noutras salas melhor equipadas.
Valha a verdade que os filmes passam duas vezes, uma das quais na Culturgest no suporte original de 16mm, e que esta passagem em DVD é feita com o conhecimento, ou seguindo mesmo a sugestão, da produtora de Wiseman, a Zipporah. Mas, quanto aos espectadores, nada foi afixado a avisar, nem foi feita qualquer menção no programa. Será que consideram o DVD um formato de projecção aceitável? Para quem não sabe, o DVD é um formato extremamente comprimido, certamente melhor do que o VHS, mas muito muito longe da qualidade de uma cópia em película.
Que nos diz então esta poupança ou incapacidade do DocLisboa, quando se trata, segundo as suas próprias palavras, do «convidado de honra em 2008 [...] uma referência absoluta, um monstro do cinema e, para muitos, o maior cineasta vivo do género[, ... o] grande mestre»?
É que, na obra de Wiseman, a questão do material de suporte não é de somenos. Quase todos os seus mais de trinta e cinco filmes foram filmados em 16mm, o que corresponde a uma economia de meios e de tempo da filmagem e da montagem muito particular, inalteradas ao longo dos anos e sempre extremamente demoradas. Wiseman, até agora, nunca “cedeu” ao vídeo, como até Straub-Huillet fizeram.
Que o DocLisboa se veja forçado a obliterar essa economia, que é uma contribuição original de Wiseman e parte integrante do seu cinema, seja para poupar uns tostões ou por uma planificação inadequada, não é nada bom sinal. Diria mesmo mais. É uma falta de consideração pela obra do “monstro”. Mais valia tratarem-no com menos reverência, menos assombração, e mais “consideração”, precisamente, pela simples materialidade do seu cinema e também pelo que essa materialidade dá à experiência dos espectadores de cinema.
Não faz parte das funções de um festival desta dimensão, como do IndieLisboa, subtrair-nos a esta mistura crescente de formatos de pior qualidade, e dar-nos a ver as obras cinematográficas sempre na sua integridade e nas melhores condições possíveis?

Esta insistência não é apenas uma irritação de purista. Há algo de iminentemente falso nas distorções digitais da compressão de um DVD quando aparecem na vastidão de um ecrã de cinema. Essa falsidade pode afectar a apreensão de um filme.

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