6ª, dia 14 de Março, 10h - Culturgest, Sala 2 Programa Espectros da vida nua
O medo da morte e a conservação da vida por António Bento Sabe-se como é de uma determinada articulação entre o medo da morte violenta (a paixão mais poderosa) e o direito à conservação da vida (o direito mais sagrado) que Thomas Hobbes deduz o seu Leviathan. Sabe-se também como uma boa parte – a grande parte – da tradição da filosofia política moderna provém da racionalização deste «medo» e da naturalização deste «direito». A um medo «natural» racionalizado faz ela corresponder um direito «racional» naturalizado. O que isto imediatamente significa é que a economia política da vida moderna se define por um cálculo racional de riscos e de benefícios no qual o «medo» é disposto como o fundamento prático e a garantia especulativa do «direito». Mais: a naturalização do direito à conservação da vida só pode ter como corolário o aumento do medo da morte violenta e a consequente existência de um «direito» que deve modernamente apresentar-se – e justificar-se – como uma segurança – mítica, e, portanto, sagrada – contra o medo. Foi neste ponto que Thomas Hobbes nos colocou e do qual ainda hoje permanecemos cativos: a política concebida como fábrica de segurança e o direito como apólice universal contra o medo.
A biopolítica como sintoma do arcaico por José Bragança de Miranda A ideia de biopolítica é proposto por Michel Foucault para conceptualizar um domínio detectado por Marx, mas por este deixado em suspenso. Trata-se da «vida», qualquer coisa que se jogaria entre o jurídico-político (Estado) e a economia política (o trabalho). Foucault visa-o directamente através de uma série de estudos sobre a prisão, a família ou a clínica, etc. – o famoso «arquipélago» institucional –, servindo a «biopolítica» para apreender o que há de comum em estratégias tão diversas, mas finalmente convergentes. Nesta comunicação procede-se a uma crítica desta concepção, mostrando que o biopolítico é um sintoma do retorno de algo bem mais arcaico e que atravessa subterraneamente toda a cultura desde os seus primórdios e que pode ser descrito como a «energologia» ocidental (a acumulação e o uso de energia animais e humanas de acordo como uma série de «formas» ou tipos). Estamos a assistir à crise desse modelo e à correspondente instauração de uma «extaseologia» geral (a economia geral dos «prazeres» e dos «terrores»). Defender-se-á a necessidade de retraçar politica e artisticamente o programa arcaico, dado o manifesto esgotamento por que está a passar.
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O nacional-socialismo e a política sobre a vida por Alexandre Franco de Sá Autores como Michel Foucault ou Giorgio Agamben propõem-nos uma leitura do fenómeno nacional-socialista como uma experiência política resultante de a vida se constituir como o objecto de uma hiper-soberania, tornando-se puramente exposta a um poder que torna indiferente a vida e a morte. A presente comunicação pretende abordar o fenómeno nacional-socialista a partir não do objecto do poder mas do seu sujeito, problematizando a possibilidade da caracterização de um tal sujeito a partir do conceito de soberania.
Figuras contemporâneas do biopoder por José Caselas Trata-se de analisar algumas formas de biocontrolo implicadas no governo de si e dos outros, que derivam da aplicação da medicina e da biologia à gestão das populações e à economia. Que modalidades éticas se constituem nestas formas emergentes de vida? Que tipo de subjectividade, que jogos de linguagem daí resultam? Importa problematizar a questão da liberdade e do determinismo nestas tecnologias biomédicas.
Autópsia in vivo por André Dias Pode a biopolítica ser pensada como "autópsia geral in vivo do mundo"? Ensaiamos esta hipótese, ela própria paradoxal, como mera ilustração da expressão cinematográfica do pensamento no documentário PRIMATE de Frederick Wiseman, uma das "figuras da autópsia" que definem a biopolítica no cinema contemporâneo. Abordaremos, neste contexto, os problemas da relação ao animal, da insuficiência da compaixão, das invisibilidades necessárias, bem como, numa perspectiva mais cinematográfica, do esvaziamento do ponto de vista, da proximidade não enfática, procurando sugerir uma crítica da lógica paradoxal em prol de uma "ambiguidade livre" e o vislumbre de um horizonte biopolítico centrado na "produção da natureza".
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