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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Grandeza de Rithy Panh (DocLisboa 2008 #6)

Dos filmes sobre realizadores não há que esperar muito. É muito raro que tenham eles próprios densidade cinematográfica. Muitas vezes o mais que oferecem é a curiosidade documental das afirmações de um artista num determinado momento. Servem assim, entre outras coisas, ao culto da personalidade. Claro que há excepções impressionantes (OÙ GÎT VOTRE SOURIRE ENFOUI?), mas também outros que são apenas telecomandados (TOUT REFLEURIT).
UNCLE RITHY de Jean-Marie Barbe, sobre o realizador cambodjano Rithy Panh, não é excessivamente hábil, pelo contrário. Parece feito um pouco rapidamente nos tempos mortos das filmagens de UNE BARRAGE CONTRE LE PACIFIQUE, como um simples making of. Curiosamente, começa logo aí a sua valia, pois, por contraste à atarefada e distante equipa francesa desta aparentemente decorativa adaptação de Marguerite Duras, que inclui uma afectada Isabelle Huppert, o que nos é dado a conhecer são aqueles que estão mais próximos de Rithy Panh, os seus companheiros cambodjanos de aventura cinematográfica, plenos de uma simplicidade muito mais interessante.
O filme tem como base uma entrevista em francês a Rithy Panh no mesmo cenário, que vamos acompanhando intermitentemente, e que releva o motivo por trás de toda sua obra, o genocídio cambodjado.
O procedimento que verdadeiramente torna este documentário indispensável, no entanto, é a colecção de excertos dos filmes de Rithy Panh que vamos vendo.
Estes excertos parecem excepcionalmente bem escolhidos, o que não é algo assim tão fácil de fazer por entre uma obra cinematográfica complexa. O efeito que produzem é tremendo. Tornam evidente aquilo que poderia ser apenas uma suspeita para os que conhecem um ou outro filme deste realizador, nomeadamente aquele que será o documentário político mais importante da última década, S-21 LA MACHINE DE MORT KHMÈRE ROUGE (2003). A de que existe uma vincada continuidade formal na sua obra, mais até do que temática, e que esta atravessa tranversalmente documentários e ficções, ou mesmo algo no meio como o fabuloso docudrama LES ARTISTE DU THÉÂTRE BRÛLÉ (2005), um dos filmes mais misteriosos que me foi alguma vez dado a ver.
A obra de Rithy Panh é uma daquelas que temos tido a fortuna de acompanhar relativamente de perto, como a de Kiarostami ou Wiseman, outros grandes realizadores contemporâneos. Esteve presente numa das primeiras edições do Doc's Kingdom em Serpa, e os seus últimos filmes passaram no DocLisboa. S-21 até já no templo da Cinemateca entrou.
UNCLE RITHY resulta assim numa muito boa introdução a Rithy Panh, cuja obra possui uma grandeza já inequívoca, se bem que ainda enigmática, como tudo o que é novo.

Uncle Rithy (2008) de Jean-Michel Barbe
Dom, dia 19, 17h30 – DocLisboa 2008, Londres 1

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