Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Caixote do lixo (DocLisboa #12)

Uma das melhores formas, se não mesmo a melhor, de aferir o estado de saúde de um festival é vasculhar no seu caixote do lixo – a Videoteca. Nesse grande salão dos recusados encontra-se de tudo um pouco, como já o ano passado tinha referido. E pelas recusas, se conseguirmos ler nelas as intenções dos programadores, como os Antigos liam as vísceras, percebe-se alguma coisa. Claro que é dificílimo, pois, na esmagadora maioria dos casos, apenas pelo nome do filme e do realizador é muito complicado ter dados para sequer suscitar a curiosidade. A verdade é que este ano encontrei por lá muito menos substância, mas talvez bastante mais sintomática. Assim, que faziam por lá TULPAN de Sergei Dvortsevoy e NOW SHOWING de Raya Martin, filmes badalados do circuito dos festivais internacionais? E OF TIME AND CITY de Terence Davies, realizador ainda recentemente programado na Culturgest? Já para não falar de RAZZLE DAZZLE do experimental Ken Jacobs. O primeiro, confirmei depois, não foi propriamente recusado, e é um belo filme. Mas o segundo sim. É um direito que assiste aos programadores, fazerem recusas significativas, como fazem escolhas e impõem destaques. Para as pessoas atentas, trata-se apenas de os comparar a posteriori. Para mim, talvez injustamente, o DocLisboa 2008 transformou-se no festival que escolheu e destacou AFTERSCHOOL e HUNGER, ao mesmo tempo que “recusou” TULPAN e NOW SHOWING, com o que isso implica. Diga-se que este último filme acabei por não o ver, mas apenas porque a sua duração excessiva e má cópia me avisaram para uma experiência dolorosa. Mas de coisas sonantes era só isto. Um festival fora de circulação ou apenas ano de má colheita?
Ainda um lamento repetido. Claro que não é o mesmo ver um filme num televisor e numa sala de cinema. Mas, se o lixo é melhor do que as iguarias que nos servem na sala, que podemos nós fazer? E, por falar em lixo, já não se constróem televisores decentes? Os Sony da Videoteca faziam aquele efeito esborratado que tem o serviço digital da Tv Cabo devido ao sinal comprimido. Uma miséria! Sem falar nas opções de formato do ecrã que me deixam à beira da loucura. Não sei se já repararam, ou se não se importam de ver os filmes cortados a torto e a direito, mas nos televisores Sony existem cinco modos: o Expandido, o Inteligente (!), o 4:3, o 14:9 (sic! uma “invenção” da Sony), e o Zoom. Na maior parte destes modos a imagem fica ou completamente cortada ou estupidamente deformada. A preocupação das gentes é que encha as medidas. Horror ao preto do ecrã! Enquanto que na sala o preto está lá para alguma coisa e é muito bem-vindo. Mas, com certos filmes neste televisores, dá-se mesmo o caso de em rigorosamente nenhum dos modos se ter a certeza de simultaneamente se ver a integralidade da imagem e se estar a respeitar as proporções. Estou concerteza a pedir muito. Com tantas pessoas com vergonha do corpo com que vieram ao mundo e generalização da cirurgia estética, as proporções do corpo humano tornam-se finalmente acessórias.

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