tag:blogger.com,1999:blog-203676182024-03-14T12:34:33.511+00:00Ainda não começámos a pensarCinema e pensamentoAndré Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.comBlogger812125tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-2895851203817205102018-07-17T16:59:00.000+01:002018-07-17T16:59:52.660+01:00A sobrevivência da abjecção | The Survival of Abjection<a href="https://drive.google.com/open?id=1aMxXdgXS5Okk74twABHAv7smi9RHhYvx"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYtaKvlB-iM-Oj6T7vpl7Dd9w4gNEkBfXqnkqzVO8JPmfQ5AFv22Gd5_wsHZJ5fFJrYeFO0_SHMPHbfa8nK11lH7rcijuOaoxnMNsGZc7X4Yz9z6mYZ2eiJNWrfDPXVMUX45HbqA/s1600/Captura+de+ecra%25CC%2583+2018-07-17%252C+a%25CC%2580s+16.47.22.png" height="620" data-original-width="991" data-original-height="1328" /></a> <a href="https://drive.google.com/open?id=1RXcjkL_S9VPh1JfyzKiRar6VCxH5RqmH"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBKC7qJhGDQdKcSVajA6_0bVoSL7nGuPu2lvD35NGoR2PRPcDPyTAAo0dIIIhyphenhyphenS4iTJzktjtI-ycXD-p-n6Z6AS6fbZkduqTmhYYIWs1TUMIkkrzO81N_mR1LmmH8qSzESLxHOqQ/s1600/Captura+de+ecra%25CC%2583+2018-07-17%252C+a%25CC%2580s+16.50.10.png" height="620" data-original-width="994" data-original-height="1334" /></a><br />
<br />
André Dias, <a href="https://drive.google.com/open?id=1aMxXdgXS5Okk74twABHAv7smi9RHhYvx">«A sobrevivência da abjecção</a> | <a href="https://drive.google.com/open?id=1RXcjkL_S9VPh1JfyzKiRar6VCxH5RqmH">The Survival of Abjection</a>», in <a href="https://www.fundacaoedp.pt/pt/noticias/estupidez-e-o-tema-central-da-segunda-edicao-da-revista-electra"><i>Electra</i> 2: Estupidez</a> | <a href="https://www.fundacaoedp.pt/en/news/electra-2-stupidity-central-theme-second-edition-electra-magazine">Stupidity</a>, ed. António Guerreiro, Fundação EDP, Lisboa, 2018, pp. 166-171.<br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-79588540276659106082013-09-10T00:22:00.001+01:002014-05-27T14:58:46.786+01:00 ̶C̶I̶N̶E̶M̶A̶ ̶D̶E̶ ̶A̶U̶T̶O̶R̶ ̶<a href="http://www.esad.ipleiria.pt/man_files/brochura_CINEMA_AUTOR_public.pdf" target="_blank" ><img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvqvsCqLb9ec_ya5ZNXYoZ_5-rLRsJiUEyNqSn76FoeygAAMDeLKi5Kgz3mQMpEBTD3fGdaRzBqScFbelAno9VYXDdD24PZVZb1FeXhjlGHgw0xTdcQlWMAggRAUUEjnHLAFzpsA/s1600/cinema+de+autor_8_BANNER+DATAS-1.jpg" title="brochura ̶C̶I̶N̶E̶M̶A̶ ̶D̶E̶ ̶A̶U̶T̶O̶R̶ ̶ (pdf)"/></a><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-69499745202328990152013-01-03T00:24:00.000+00:002013-01-03T00:31:56.175+00:00António Guerreiro de saída do ‘Expresso’<table style="font-family: News Gothic Mt, Sans-serif; font-size: normal;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 40%;"><div style="line-height: 1.3; margin-right: 15px;">E assim termina a coluna «Ao pé da letra», que vínhamos republicando. É a verdade a que temos direito, segundo o <i>Expresso</i>: pensar, uma tarefa que se dispensa...<br />
<br />
<a href="http://chovechove.blogspot.pt/" target="_blank"><img style="border: 1px dashed grey; cursor: hand; cursor: pointer; left: -10px; position: relative;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL_ugk9tzvkB7CTDFGKIWfYk38RfhMcvbxSLSyojuuHMVBTbx_gYnhKVgyqawaW_RCxt6KeRSmUp7R4uBFOopqawZiyEDxdqtxaeNLRuB9b2i-e7LGuFNPESQjL5BQRnok4auFSg/s1600/AGuerreiro_29Dez2012.jpg" title="«Estou muito zangado com o Expresso.»" /></a><br />
<div style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">(encontrado <a href="http://chovechove.blogspot.pt/2012/12/antonio-guerreiro-ao-pe-da-letra.html" target="_blank">ali</a>)</span></div></div></td><td style="width: 60%;"><div style="line-height: 1.3; margin-left: 15px;"></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-18021972056094183722012-12-24T18:13:00.000+00:002012-12-24T18:13:31.225+00:00Ao pé da letra #223 (António Guerreiro): O paradigma criminológico<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Uma personagem de uma peça de Jules Romain, o doutor Knock, tinha uma tese com a qual anunciava o triunfo da medicina: "As pessoas saudáveis são doentes que se ignoram enquanto tal." Ele achava que era só por falta de controle que os doentes podiam passar por gente saudável. E esta lógica estendeu-se a todos os domínios: o contribuinte é um indivíduo fraudulento que não ousa dizer o seu nome, o professor é um inepto dissimulado no lugar do saber, o intelectual é, por definição, um pseudointelectual, o médico é um indivíduo que está ausente do hospital, o lugar onde é pago para exercer, etc. Estamos assim em pleno paradigma criminológico, através do qual se fabricam doentes, suspeitos, ignorantes e párias. Para a proliferação destas espécies indesejáveis muito contribuiu a atual ideologia da avaliação, que dispõe hoje de instrumentos afinadíssimos e de uso universal. As maiores vítimas deste processo são aqueles que, no exercício da sua profissão, tinham aquilo a que podemos chamar autonomia intelectual. Um professor do secundário (ou, recuando, do liceu) tinha-a em razoável medida; um professor universitário tinha-a totalmente. O preço a pagar era a impunidade dos medíocres e e dos loucos. Mas, em compensação, não se aniquilava o espaço de pensamento crítico. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">A normalização a todos os níveis que o avaliacionismo promove com obstinação serve não tanto para perseguir a incompetência e o mal mas para rasurar o que de bom existe e não cabe nas grelhas da avaliação. Aparentemente, toda a gente, hoje, perdeu a autonomia - que foi uma palavra mágica, tal como outra da sua família, 'emancipação'. Mas se ninguém tem autonomia (parece que nem os chefes, os diretores, os gestores, os patrões), o que é feito dela? Não existe em nenhum lado. Porque somos governados pelas coisas e só existe uma política das coisas. E, para a políticca das coisas, todo o indivíduo é um alvo.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 22.12.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-59106042539622219942012-12-15T23:33:00.000+00:002012-12-15T23:33:45.565+00:00Ao pé da letra #222 (António Guerreiro): A miserável riqueza <table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Aqui ao lado há um texto sobre a pobreza. Acrescentemos-lhe como complemento necessário algumas considerações sobre a riqueza. Só a partir do momento em que a pobreza se tornou uma noção exclusivamente económica é que se passou a opor, sem qualquer desvio, à riqueza. O conceito de pobreza teve uma amplitude metafísica, hoje perdida, que encontramos nos grandes místicos (por exemplo, no mestre Eckhart) e em Espinosa, que nos fala da <i>potentia</i> da pobreza. Nesta aceção, vinda das ordens religiosas, os pobres viviam da sua própria riqueza, da sua perfeição intrínseca. E que riqueza era essa? A autonomia total, a força imensa de quem não tem nada e não quer nada e, por isso, escapa à apropriação e à lógica da propriedade. Assim entendida, a pobreza não se opõe à riqueza, mas à miséria. Quando, porém, a pobreza se tornou uma noção económica, passou a designar apenas o polo negativo da riqueza. E esta ficou exclusivamente associada à vida burguesa que simula uma falsa plenitude. Porquê? </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">A pobreza era dona do tempo (ele era a única coisa de que as ordens monásticas se apropriavam), mas os ricos burgueses são hoje, por definição, consumidores de tempo que falta. Consomem dinheiro, muito dinheiro, e como é sabido a regra a que obedecem é exatamente oposta à das regras monásticas. É a regra que diz: “Tempo é dinheiro.” Nesta condição, não há tempo que chegue, porque o dinheiro só é vivo se não parar a sua circulação e acumulação. E, na medida em que só conhece o valor de troca, a forma moderna de riqueza eliminou o valor de uso. Os ricos de hoje não possuem uma riqueza, mas são possuídos por ela. Nada ilustra melhor esta situação do que o capitalista que é um assalariado da sua própria empresa, com horário de trabalho e gabinete de trabalho com vista para a miséria do mundo que é o microcosmos empresarial. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 15.12.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-55162568180404027432012-12-13T04:48:00.000+00:002012-12-13T04:51:26.528+00:00 <a href="http://www.culturgest.pt/actual/03-29-yang.html" target="_blank"><img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTJsD2BKYw2aRp6YB_6Ls4TwrXVjWvkek-MHy-K9Yvd3KGXume5ltxEOm_lhAMQHDcIy1Ipbm68ekjyo5Hcj0rGNbKuky2aOS2VX7j0L3yGsgGxRVexs6GSgBXXyZAiPy4ceF1AA/s1600/a-brighter-summer-day_edward-yang-.jpg" style="left: -10px; position: relative;" title="A BRIGHTER SUMMER DAY Edward Yang 1991 in ‘Edward Yang – Histórias de Taipei’, Culturgest – Lisboa, 13-16 Dez" /></a><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-47352893643013043272012-12-12T09:00:00.000+00:002012-12-12T15:06:58.587+00:00Ao pé da letra #221 (António Guerreiro): A missão histórica<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Uma frase de Passos Coelho, aparentemente anódina, numa recente entrevista, abre um mundo vasto de significação: foi quando o primeiro-ministro disse que “o Governo está a cumprir uma missão histórica”. O imperativo das missões históricas marcou a política ocidental na época moderna, e quando essa missão histórica foi assumida em nome de um povo ou de uma nação correspondeu muitas vezes a uma missão metafísica (como é o caso do nazismo). A “missão histórica” é a política dos que se imaginaram grandes heróis e deixaram o caminho juncado de cadáveres. Mais perto de nós, tornou-se evidente que já não existem missões históricas a cumprir. Corolário desta ausência de uma vocação histórica (missão tem o sentido de vocação, de chamamento) foi a tese de que tínhamos chegado ao fim da história. Não se trata de ver nas palavras de Passos Coelho o sentido sinistro que elas tiveram noutro contexto histórico; devemos no entanto observar que elas trazem um progressismo escondido que supõe a marcha em direção a uma nova época e a uma nova felicidade. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">O nosso primeiro-ministro faz-nos uma promessa progressista que nós, no sítio desolado em que nos encontramos, desencantados, temos dificuldade em reconhecer como mobilizadora. Pelo contrário, a noção de “missão histórica” tem hoje para nós o aspeto dos objetos farfalhudos e inúteis, com alguma aura de antiguidade, exibidos nas lojas de velharias. Servem como peças decorativas, mas se tentarmos utilizá-los eles revelam-se não funcionais e nós mostramo-nos inábeis. Só por determinação de uma máquina linguística que funciona estendendo uma trama de lugares-comuns e frases feitas é que nos dispomos a trair a época com missões históricas, porque o que queremos mesmo, com urgência, é que o nosso próprio tempo, de que fomos expropriados, nos seja devolvido. Esta, é uma tarefa política; aquela é a tarefa de uma máquina mitológica. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 8.12.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-12627817716302131352012-12-07T08:30:00.000+00:002012-12-07T08:30:04.218+00:00Ao pé da letra #220 (António Guerreiro): Era uma vez os intelectuais <table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Numa das suas últimas crónica, no “Público”, fazendo uma crítica feroz deste Governo, J. Pacheco Pereira evocava “os intelectuais” e a tarefa que Emerson lhes atribuía: anular o destino, pelo pensamento. Pacheco Pereira é suficientemente lúcido, culto e conhecedor da história para não cair na nostalgia pelos intelectuais universais do tempo das visões do mundo, a que muita gente se abandona ciclicamente. Ele sabe muito bem que esse intelectual universal, que desempenhou um papel tão importante no final do século XIX e princípio do século XX, deu lugar a uma outra figura a que Foucault chamou o “intelectual específico”, com outro significado político. Mas o facto de evocar a obrigação do antigo intelectual – recordando também os erros e os crimes de que este foi autor ou cúmplice – mostra que se tornou inevitável, em certas circunstâncias, revisitar esta figura depositada nas caves da história, quando as circunstâncias reclamam mais do que escritores, artistas e filósofos que se limitam a gerir as regras autónomas do seu próprio campo. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Como mostra Bauman num livro sobre a “decadência dos intelectuais”, estes passaram de legisladores modernos a intérpretes pós-modernos, e a elite intelectual é hoje um grupo social que se ocupa preferencialmente de si ou, na melhor das hipóteses, do sector específico a que pertence. Assim, a cultura já não pode ter uma função crítica relativamente à sociedade, pondo em confronto valores e modos de vida, na medida em que se tornou um mero sector ‘produtivo’, rendido às argúcias teológicas da mercadoria como fetiche. Sob administração de burocratas e comissários políticos que só pensam em termos de consenso, este território inofensivo luta apenas para se manter e reproduzir. A sua tarefa é fazer a síntese total, onde tudo é compatível com tudo, e não a cesura crítica que “anula o destino”. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 1.12.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-37089710251152479232012-11-29T13:44:00.000+00:002012-11-29T13:44:17.543+00:00Ao pé da letra #219 (António Guerreiro): Precioso, isto é, sem preço<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Nos últimos tempos, temos sido informados do preço de tudo: quanto custa um aluno do ensino básico, do secundário, da universidade; quanto custa oferecer na escola X a disciplina de opção Y; quanto custa um doente que depende da hemodiálise; quanto custam os funerais daqueles que não deixaram dinheiro — nem família — para o seu próprio funeral. Esta ostentação do preço é um exercício de má-fé com consequências perigosas, na medida em que quebra uma regra de universalidade e de anonimato e instaura uma espécie de guerra civil que já começa a emergir num confronto intergeracional. Um aluno de qualquer nível do ensino sempre teve um preço, o que é novo é o facto de essa quantificação ser ostentada publicamente, se ter tornado objecto de um cálculo e instrumento ideológico. Devemos ver aqui uma regressão que quebra a lógica da reciprocidade e do dom que funda a sociedade. Afixar um preço a tudo significa considerar intolerável o que faz parte de uma economia não produtiva, da perda sem contrapartida e do gasto gratuito: aquilo a que Bataille chamou <i>dépense</i>, inspirado no princípio do <i>potlach</i>, de Marcel Mauss. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">A teoria do dom, de Mauss, mostra bem como não é possível uma sociedade sem o elemento heterogéneo, o gasto improdutivo, que transgride a homogeneidade da lógica da produção. A heterogeneidade da <i>dépense</i> é a festa, a arte, o sexo, as atividades rituais. Em suma, tudo aquilo que implica o gasto que é um fim em si. Ora, no domínio político, o discurso que estamos mergulhados é o da exclusão pura e simples de todo o elemento heterogéneo. Pode a política suprimi-lo? Não. E é por isso que, mais inteligente do que todos os políticos europeus, Obama terminou o seu discurso de vitória dizendo que “o melhor está para vir”. Não é uma promessa eleitoral: é uma alusão à festa, ao <i>potlach</i>, que constitui a própria condição de possibilidade da política.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 24.11.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-76060455647901777342012-11-24T01:00:00.000+00:002012-11-24T01:00:54.880+00:00 <img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzVlwmLBxfRxpHXXa4fFGtyqaAEYFEpVIqnPz6IDSATVHHvdBFQXRa9zRrh6yO3hyphenhyphenCSfzTDbXtzQzsbKBSr7bqbMe00Ur8KAtPI2T7ryaOO2Npqv6qbRfFnkGCbkF1WdV4kv7eDw/s1600/kohayagawa-ke-no-aki_yasujiro-ozu-.jpeg" style="left: -10px; position: relative;" title="KOHAYAGAWA-KE NO AKI Yasujiro Ozu 1961" />André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-36539582119148278042012-11-19T21:36:00.000+00:002012-11-19T21:36:28.147+00:00Ao pé da letra #218 (António Guerreiro): Os jovens e os novíssimos<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Quando hoje nos confrontamos com “Rumor Branco”, de Almeida Faria, publicado em 1962, tinha o autor 19 anos, temos de pensar que se trata de um livro de juventude; e que isso não é apenas uma circunstância da identidade civil do escritor mas algo que marca o romance e a que poderíamos chamar, com palavras alheias, “metafísica da juventude”. Grandes obras literárias, artísticas e filosóficas do início do século XX muito devem a esta metafísica da juventude. No nosso tempo, a juventude tornou-se um padrão comportamental e de consumo, mas desapareceu como categoria do espírito: não tem pretensões históricas (não interrompe nem desvia o curso do mundo) nem metafísicas (tornou-se mero objeto sociológico). No lugar da juventude está agora a novidade; em lugar dos escritores impregnados dessa força utópica, com um forte alcance político, que é a metafísica da juventude, temos agora “os novos”, que na versão superlativa são “os novíssimos”. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Ainda há poucos dias ficámos a saber que o grupo editorial Leya tinha enviado ao Brasil uma delegação de “novíssimos autores”, com o apoio do Instituto Camões, que, pelos vistos, se sentiu mobilizado por uma operação comercial. A reportagem que Alexandra Lucas Coelho faz do acontecimento, no “Público”, é muito cruel: a imagem que dá dos “novíssimos” é a de que estão num <i>tour</i> de tagarelice pelo Brasil. “Novíssimos”, não emerge neles uma réstia de juventude, apenas de infantilidade. Lendo a reportagem, parece que regressaram à fase do chichi e do cocó. A ideia de uma metafísica da juventude está ligada a uma geração trágica delapidada pela guerra: os “novíssimos”, sem juventude nem metafísica, são também soldados de uma guerra em curso, sem grandeza nem tragédia, mobilizados para a batalha da novidade, com a linguagem que os velhos lhes forneceram, sem nenhuma conceção da História. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 17.11.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-67410646611973395262012-11-11T00:38:00.000+00:002012-11-11T00:38:20.243+00:00Ao pé da letra #217 (António Guerreiro): O jornalismo e o homem médio<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">A ameaça de extinção que paira sobre os jornais convida-nos a um olhar retrospetivo, a recordar que o jornalismo e a universidade foram os dois grandes instrumentos da racionalidade iluminista, do seu projeto de socialização do saber e da cultura, criando uma sociedade para a cultura e desenvolvendo uma cultura para a sociedade. A crise dos jornais é apenas um dos aspetos do fim desse projeto, declarado com grande estrondo no final dos anos 70. No entanto, nunca faltaram membros destacados das elites para lançarem sobre os jornais a sua desconfiança ou até o seu radical desprezo. Se Hegel falava da leitura do jornal como a oração matinal do homem moderno, Balzac achava que, “se o jornalismo não existisse, seria sobretudo necessário não inventá-lo”. A crítica ao jornalismo teve quase sempre origem num pensamento reacionário (seja ele o de Balzac, o de Kierkegaard ou, numa dimensão militante, o de Karl Kraus). Mas ele também se tornou num alvo fácil quando passou a alienar a sua matriz crítica, quando a oração matinal foi substituída pelo entretenimento e quando passou a servir exclusivamente uma figura que ele próprio construiu: o homem médio. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Em “La Ricotta”, de Pasolini, há uma sequência em que Orson Welles, sentado na cadeira de realizador, é entrevistado por um jornalista e acaba por ler um poema ao seu entrevistador. No final da leitura, pergunta ao jornalista: “Entendeu alguma coisa?” O jornalista começa a fazer uma paráfrase idiota e é interrompido: “Você não entendeu nada porque é um homem médio. Um homem médio é um monstro, um perigoso delinquente.” Estas palavras têm de ser compreendidas à luz da visão apocalíptica de Pasolini, da sua ideia da classe média como o fim do mundo, mas é certo que, ao estabelecerem o “homem médio” como o seu padrão, os jornais se dissolveram na mediania que não precisa deles para nada e os aniquila. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 10.11.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-89197966537870603032012-11-11T00:34:00.003+00:002012-11-11T00:34:49.187+00:00Ao pé da letra #216 (António Guerreiro): Mais tempo, menos história <table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Devemos olhar com muita impaciência e pouca tolerância o modo como os políticos procuram legitimar a sua ação e justificar os seus erros regressando sempre ao passado imediato e aos seus antecessores. Não só porque há sempre aí uma razão fraudulenta que consiste em selecionar <i>ad hoc</i> a história que lhes interessa e nos limites cronológicos que servem para a justificação, mas sobretudo porque isso faz dos políticos profetas virados para o passado, incapazes de verdadeiramente apreender o seu tempo e de ter a coragem e a sabedoria de serem contemporâneos. Nesta errância que os leva a sacar do passado recente como quem saca da pistola, há um fator de esterilização do discurso e de impotência da ação. Esse impulso, que já há muito tempo ultrapassou os limites do razoável e arrastou o discurso político para as regiões ínferas do mesquinho (aí, onde o pântano cresce), é a manifestação dramática — às vezes, de um <i>dramma giocoso</i> — de que os políticos que assim agem (e não é fácil encontrar exceções) não estão à altura da exigência mais própria e mais urgente de toda a política: a de saber manter o olhar fixo no seu tempo, não para o apreender nos seus aspetos evidentes, luminosos, mas para perceber o que nele há de escuro. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Apreender a ocasião contida no tempo, aquilo a que a sabedoria grega chamava o <i>kairos</i> (o tempo de agora e não o tempo de então), antes que ela seja mais uma vez traída por saltos no tempo (de pulgas e não de tigres), é a única tarefa política digna desse nome, capaz de nos salvar de exercícios mesquinhos amplificados na forma do espetáculo. Em tempos, o artista americano Robert Rauschenberg, numa entrevista, reclamou para os artistas “mais tempo, menos história”. Devemos reatualizar esta reivindicação, trazê-la para o campo da política e saber ver em cada segundo que passa a força de uma presença — e não de uma história — inaudita: um tempo messiânico.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 3.11.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-18633519201527136862012-10-30T09:00:00.000+00:002012-10-30T09:00:12.555+00:00Se vamos falar de espectáculos por que não começar por falar de espectáculos (Ana Bigotte Vieira)<table style="background-color: white; left: -10px; position: relative; font-family: News Gothic Mt, Sans-serif; font-size: normal;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><br />
<div style="text-align: center; margin: 10;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCwfEIRDMeesCdVn8ZZpODovRp9MYz27_DpShtVP1hPIMbnmfDtcJkBFaK3gJCX1Kvp_q-x4yKS1xC_sErM6FbzmFdevGH6VcVxJAG4i5wVS_AlGHbFOhZPxxpZLRX4G2qWOHHnw/s1600/milker_X_icon.svg.med.png" /></div><br />
<br />
<b>Se vamos falar de espectáculos por que não começar por falar de espectáculos?</b><br />
Os espectáculos que vejo merecem ser acompanhados. Dão muito trabalho a fazer, a pensar, a imaginar, a ensaiar. Bem ou mal, interessem-me ou não me interessem, em cada um deles há uma visão de mundo, uma tentativa de criar mundos possíveis, um viver em colectivo que se experimenta praticando, várias questões que se levantam. Há também uma questão de olhar, de autoria, de linguagem estética, de enquadramento na história das formas das artes, formas estas igualmente enquadráveis socialmente. Acredito que há em muitos deles um corpo a corpo com possibilidades outras, possibilidades que se realizam habitando, com o corpo, um espaço de potência - potência de ser, de estar, de estar com; de representar ou presentificar possibilidades de existência, resistência, re-existência, e (por que não?) aceitação ou mesmo glorificação do existente. Interessa-me a sua relação discursiva com a sociedade, o modo como se inscrevem ou não inscrevem na ordem dos discursos, o modo como o que dizem se relaciona com o que fazem, e o que fazem a quem os vê. Interessa-me fazer essa relação visível tal como eu a vi, ajudando assim a faze-los visíveis, acusando que é de uma visão, a minha, que se trata. </div></td><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><br />
<b>Se vamos falar de espectáculos por que não começar por perguntar como vamos falar de espectáculos?</b><br />
O discurso possível é possível porque os discursos o fazem possível. É contra o pano de fundo maior da questão da “participação” na sociedade portuguesa que uma iniciativa como a deste seminário se enquadra. Por que razão não há crítica de artes performativas nos jornais? Por que razão não há nenhuma iniciativa de crítica de artes performativas relevante na blogosfera portuguesa? Por que razão tiveram instituições como a Culturgest, o São Luiz Teatro Municipal, o Alkantara e o Maria Matos de dar o pontapé de saída? Por que o fazem nestes moldes? O que são as “formações” hoje em dia, que papel cumprem?<br />
Quando me candidatei ao <a href="http://maiscritica.wordpress.com/" target="_blank">Mais Crítica</a> não pensei a sério nestas questões. Parecia-me que fazia falta um espaço de discussão, estava farta de ver os espectáculos não terem críticas e achei que podia dar um contributo, mesmo não sendo grande adepta da crítica tal como ela é feita nos jornais ou na academia por via Estudos Literários, mas sim da reflexão dos Estudos de Performance nos seus cruzamentos com as Ciências Sociais. Estava sinceramente entusiasmada com o facto de a iniciativa ser em grupo, apetecia-me acompanhar espectáculos numa base regular e discuti-los com mais gente. Só que quando a coisa começou a questão do lugar colocou-se à frente de tudo: quem pode falar, onde, em que moldes, como é recebido o discurso tendo em conta de onde se fala. Era o modo como a nossa escrita se inscrevia ou não na ordem dos discursos - a nossa escrita vinda de uma “formação” e apoiada pelas instituições o que primeiro de tudo estava em causa. Não quero repetir aqui uma discussão que se fez pública <a href="https://maiscritica.wordpress.com/2012/10/07/paraiso-informe/" target="_blank">aqui</a>, antes remeto para ela. Menciono-a porque me fez repensar a minha participação no Mais Crítica.<br />
À medida que a minha argumentação nessa discussão se ia desenvolvendo o meu entusiasmo inicial foi-se desvanecendo e fui tendo vontade de participar num projecto de crítica, sim, mas não nestes moldes. Interessa-me não a fomentada e acompanhada formação de seis vozes especializadas em Artes Performativas, mas a abertura de um espaço de discussão entre gente que faz, gente que vê e gente que escreve (e vice-versa, as posições não são fixas – é uma conversa). Interessa-me pensar em conjunto sobre como as coisas “agem” e nisso poder escrever sobre espectáculos, blogs, discursos, gestos, leis, manifestações, hierarquias, o que falta e o que está em potência, “agindo” com isso.<br />
Não estou com isto, de todo, a desacreditar o projecto do Mais Crítica, antes pelo contrário, é por me parecer relevante e por a crítica fazer falta que me candidatei: Força Mais Crítica! Apenas cheguei à conclusão de que não me revejo nele e que por isso não consigo ter vontade de participar.<br />
<br />
<div style="text-align: right;"><b>Ana Bigotte Vieira</b><br />
</div></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-18065620854273404302012-10-28T09:00:00.000+00:002012-10-28T09:00:07.415+00:00Ao pé da letra #215 (António Guerreiro): “Sentido de Estado”<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">“Sentido de Estado” é uma qualidade tão reclamada e respeitada que, muito embora ninguém tenha, alguma vez, dado uma definição segura de tal coisa e, em rigor, ninguém saiba o que é, nunca ela é dita sem o gesto enfático da reverência. Tal como é geralmente entendido, o sentido de Estado evoca com alguma evidência aquilo que no teatro clássico se chamava as “regras da <i>bienséance</i>”, segundo as quais tudo o que se passava no palco devia ser conforme à verosimilhança e à moral. É fácil perceber a pertinência desta analogia: não é possível pensar aquilo que é designado como sentido de Estado sem o relacionar com a <i>performance</i> teatral na cena política, sem que se exponha o plano da representação e da encenação. Por exemplo, um político como Mário Soares libertou-se manifestamente da obrigação de representar o sentido de Estado — uma prerrogativa que lhe vem da idade e do capital simbólico que acumulou. Mas que pode significar um tal “sentido”, quando ele é proclamado e reivindicado até por quem recita diariamente a ladainha (que não deixa de ser verdadeira, muito embora a sua verdade seja diferente da que ela nos quer convencer) de um Estado empecilho, ineficaz e, em si mesmo, tendencialmente monstruoso? </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Foi certamente quando o Estado começou a perder todo o sentido que se começou a falar de sentido de Estado. Em tal expressão, ecoa um sisudo anacronismo e dá-se a ver uma roupagem vetusta, usada em palcos e representações que já não são os nossos. “Razões de Estado” — eis o que se dizia noutro tempo, anterior ao sentido de Estado (que pode ser definido por antífrase: é o Estado anestésico), quando a vocação dominadora e guerreira era assumida como uma missão. Será então o sentido de Estado a prova de que o Estado perdeu a sua razão — e anda à procura do seu sentido — e, como uma corista reformada, sobe ao palco de um <i>cabaret</i> decadente e imagina que está no Grande Teatro Nacional?.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 27.10.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-7683857879926335172012-10-20T23:52:00.001+01:002012-10-20T23:52:53.971+01:00Ao pé da letra #214 (António Guerreiro): A pilhagem legal<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Em tempos não muito recuados, a linguagem rude que reduzia todas as decisões políticas a uma cleptocracia tinha um autor tipificado: os taxistas. Sabemos agora que em determinadas circunstâncias essa linguagem se vai universalizando e até o antigo presidente de um partido pôde dizer que a subida dos impostos é “um assalto à mão armada”; e um cronista e comentador político, que tem um gosto especial pela alarvidade, falou mesmo em sodomização. Concluindo: quando o humor psicopolítico das elites se torna semelhante ao das classes menos cultas, a linguagem também é análoga. Importantes são, pois, as determinações do humor psicopolítico. E esse, como já reparámos, sofreu uma mudança brusca e geral, tendo como motivo mais óbvio os impostos. O paradoxo da “pilhagem legal”, formulado por Tomás de Aquino, passou a fazer parte das conversas: na rua, no táxi, no café, nos jornais e nas televisões. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Ora, mesmo quem nunca sentiu necessidade de pensar os processos de um Estado fiscal, tem agora motivos urgentes para o fazer, já que o que resta da democracia sofreu um forte embate: o sistema fiscal recorre a práticas absolutistas ‘naturalizadas’ (o filósofo Peter Sloterdijk, num livro de 2010 sobre os impostos, faz essa referência ao absolutismo, indo até mais longe: “Não saímos da Idade Média fiscal”). Mas essa práticas, ao serem exasperadas, levadas a um limite extremo, dão-se a ver na sua arbitrariedade e quebram o vínculo necessário entre os rendimentos do Estado e os benefícios que os cidadãos deles extraem. Enfraquecido esse vínculo aos olhos do cidadão, o modo de arrecadar e justificar os impostos ganha uma dimensão inaceitável para uma ordem democrática. E é aqui que estamos: o humor psicopolítico dominante mostra que já foi transposto um limiar que abre para um território do qual não temos ainda a cartografia, mas adivinhamos que deve ser bastante acidentado.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 20.10.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-81832836982601918422012-10-14T00:07:00.000+01:002012-10-14T00:09:29.078+01:00Ao pé da letra #213 (António Guerreiro): A república universal das Letras<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Tendo-se tornado raríssima — e quase exclusivamente por conta de editoras universitárias — a edição de livros de crítica literária, surpreende, à primeira vista, que a Quetzal edite um livro de um crítico inglês, James Wood, que vive na América e escreve para publicações como “The New Yorker” e “The New York Review of Books”. Bons motivos de regozijo se ofereceriam em tal iniciativa se ela não fosse um sintoma eloquente do estado miserável — disfarçado de cosmopolitismo — da república das letras. Traduzir este livro — “A Herança Perdida” — e editá-lo baseia-se no pressuposto de que há um público afastado dos meandros eruditos e especializados da crítica literária (a capa, com as letras do título em relevo, é o primeiro índice indiscreto da vontade de popularização) interessado em bibliografia secundária sobre autores americanos e ingleses modernos e contemporâneos (V. Woolf, T. S. Eliot, Don DeLillo, John Updike, Philip Roth, Julian Barnes e outros), na condição de o autor ser alguém que “conseguiu transformar a crítica literária num assunto pop sem ceder em nada à facilidade” (assim é apresentado James Wood na badana). </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Entretanto, o último volume da obra completa de Eduardo Prado Coelho, que compreende “A Mecânica dos Fluídos” e “A Noite do Mundo“ (editado pela Imprensa Nacional), nem sequer chega às livrarias. Em todos os seus cálculos e operações, a “vida literária” supõe que o que interessa é uma nova ideia de literatura universal — dominada por uma ficção de lugar nenhum — que atravessa fronteiras mal é publicada, quase sem precisar de ser traduzida, e que chegou ao fim toda a herança da “literatura nacional”. Em suma: aquilo que faz com que um João Tordo e um José Luís Peixoto sejam internacionalmente premiáveis, enquanto uma Agustina e uma Maria Velho da Costa nunca conseguiram sair, mesmo quando traduzidas, do seu lugar minoritário.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 13.10.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-80480730738119282962012-10-13T23:54:00.000+01:002012-10-13T23:54:21.697+01:00Ao pé da letra #212 (António Guerreiro): A vida pobre <table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">O que significa a promessa, em fase de cumprimento, de que vamos empobrecer? Como a pobreza é sempre relativa — ensinou Simmel num estudo de 1907 sobre os pobres —, em relação a quê estamos a empobrecer? A resposta é óbvia: em relação aos padrões e modos de vida das últimas décadas. Mas aqui impõe-se uma distinção entre modo de vida e forma de vida, que é uma noção essencial em Foucault. A forma-de-vida (os hífenes ajudam-nos a perceber melhor do que se trata) é uma vida que não se pode tornar objeto de cálculos estratégicos governamentais porque é inseparável da sua forma: uma vida em que todos os atos e processos que a definem são possibilidades de vida e não meras contingências. Neste sentido, quando os governantes nos dizem que é preciso alterar os modos de vida, isso implica forçosamente separar a vida da sua forma. Só esta separação garante que se pode dar um empobrecimento generalizado sem que, por isso, se inventem novas formas-de-vida: algo que os aprendizes de feiticeiro da planificação económica têm como missão evitar a todo o custo que aconteça. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Usando um exemplo esclarecedor: podemos todos empobrecer, até cair na indigência, o que não podemos — ou, pelo menos, poderosas são as forças que zelam para que tal não se dê — é inventar uma forma-de-vida em que a pobreza seja uma potência (como foi o franciscanismo, para dar o exemplo mais extremo). O que nos é prescrito com inaudita violência é que ‘ajustemos’ a nossa vida, a ‘modelizemos’ segundo as novas circunstâncias, mas que isso se faça sobretudo sem que mudemos de forma de vida. E se a noção foucaultiana de forma de vida nos ajuda a perceber teoricamente a questão, em termos histórico-pragmáticos o facto catastrófico de a vida ser separada da sua forma foi apreendido, com uma consciência trágica, por Pasolini, que dizia de si: “Mais moderno que todos os modernos [...] eu sou uma força do passado.”</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 5.10.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-62313459879461249822012-10-13T23:40:00.000+01:002012-10-14T00:09:00.230+01:00Ao pé da letra #211 (António Guerreiro): Prémio e castigo<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Por uma espécie de inversão que vale como índice indiscreto do filisteísmo, os prémios literários, na sua maioria, servem para celebrar a instituição que os dá e não para honrar quem os recebe. Nestas circunstâncias, ser nomeado como vencedor de um prémio pode revelar-se um castigo infligido a um autor, que vai ter de se conformar ao cerimonial de afirmação e glorificação alheias como se a festa fosse sua e a tivesse reclamado. Ao recusar que o Prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, lhe fosse entregue pelo primeiro-ministro, Maria Teresa Horta não fez mais do que usar uma prerrogativa a que tinha pleno direito. Visto como um mero gesto de hostilidade da escritora em relação ao poder político do momento, o episódio fica encerrado num estreito espaço, para onde confluem acriticamente apoiantes e detratores. Ora, o que está em jogo tem um alcance mais vasto, de modo a suscitar esta questão: porque é que um prémio literário concedido por uma Fundação que não é tutelada por nenhum Ministério há de convidar um ministro — seja ele primeiro, segundo ou terceiro — a entregar o prémio, obrigando o premiado a ser oficiante numa cerimónia regida pelos protocolos governamentais? </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
<br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Se a esta pergunta respondermos que ela está no pleno direito de o fazer, teremos também de responder que o premiado está no pleno direito de recusar. E decorre daqui que deveria também recusar o prémio? Mas esse foi atribuído sem que o premiado se tivesse apresentado a um concurso (portanto, sem dar o seu assentimento implícito ou explícito) por um júri que, presume-se, gozava de plena autonomia. Nunca passou pelas cabeças destas instituições que poderiam estar a cometer uma violência completamente ilegítima e que, na verdade, já muita gente antes da Maria Teresa Horta se sentiu violentada nessas cerimónias — presididas por outros primeiros, segundos ou terceiros ministros — de autocelebraçao do mecenas?</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 29.9.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-37020381492669439632012-09-22T14:11:00.000+01:002012-09-22T14:11:13.366+01:00Ao pé da letra #210 (António Guerreiro): A magia da comunicação<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Desde há muito que a política é desencantada, mas a comunicação, essa, é mágica. É isto que temos de concluir do investimento comunicacional que os políticos assumiram como tarefa e a cujas falhas atribuem todos os desentendimentos e diferendos com os cidadãos. A comunicação não é propaganda (estamos longe desses tempos do totalitarismo moderno), mas pedagogia. A propaganda criava uma realidade, era o instrumento da política entendida como obra de arte total; a comunicação é o discurso do mestre dirigido a quem não acedeu ao estatuto de maioridade. Ostensivamente, e como se fosse algo cheio de qualidades, instalou-se a comunicação em vez do discurso político e a pedagogia em vez da discussão. O político comunicante e pedagogo tem uma convicção: a de que tem uma atividade pastoril que consiste em conduzir o rebanho por bons caminhos e todo o desvio se deve ao facto de não ter comunicado de maneira eficaz as instruções e os objetivos. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">E tem uma missão: impor as suas iluminações como saber único, virtuoso e indiscutível. Do ponto de vista desta racionalidade comunicativa, se os cidadãos reagem é porque não perceberam: porque a competência comunicativa foi escassa ou – hipótese sempre implícita – porque são genuinamente estúpidos. Esta crença sem limites na comunicação vê na linguagem um mero veículo em sentido único, nos cidadãos uma massa inerte e destituída de palavras próprias, eliminando assim toda a racionalidade política. Neste sentido, a comunicação é o ato pelo qual se opera uma espoliação do discurso político e se esvaziam os lugares onde ele era tradicionalmente produzido. Estes novos magos da comunicação vivem no mundo da transparência, da pedagogia dos mestres, do material didático de hipermercado. A regra que os determina pode ser enunciada desta maneira: quanto menos têm para dizer, mais têm para comunicar.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 22.9.2012.</span></span></span></span></div></td></tr></tbody></table><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-68526262121790180612012-09-22T13:59:00.000+01:002012-09-22T14:19:50.824+01:00 <table style="font-family: News Gothic Mt, Sans-serif; font-size: large"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="margin-right: 15px; line-height: 1.3;"><a href="https://www.box.com/s/pi69nwph3oxnjv1aer3g" target="_blank">«<b>A guerra civil em curso</b>» (António Guerreiro)</a></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin-left: 15px; line-height: 1.3;"></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-89866128337301114822012-09-21T22:25:00.000+01:002012-09-21T22:30:01.087+01:00Ao pé da letra #209 (António Guerreiro): A anatomia masculina do crime<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Com uma cadência regular e nada lenta chega a notícia de que mais uma mulher foi morta por um homem: marido, namorado, companheiro, amante e demais espécies masculinas de grande vulnerabilidade passional. Alguns matam-se, depois de matarem, ou entregam-se à polícia. Raras vezes temos a notícia de que uma mulher matou um homem e, quando tal acontece, há geralmente uma longa história de maus tratos que se interpõe. Se toda a violência exercida pelos homens sobre as mulheres fosse castigada, o cárcere seria a morada permanente de uma parte considerável dos machos humanos. Ainda assim, à conta de outros crimes que não são tipificados como masculinos, as prisões estão cheias de homens – a população carceral feminina é uma pequeníssima minoria. Dizem-nos que as escolas são lugares de grande violência. Mas falta acrescentar: são sobretudo lugares de violência masculina, com uma incidência enorme de insucesso dos rapazes relativamente ao das raparigas. Mal ganharam liberdades e direitos, as mulheres encheram as universidades, tanto quanto os homens enchem as prisões e os lugares obscuros onde se chega sempre em queda. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del><br />
</span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">A dominação masculina, baseada em algo que se transmitiu como um ‘direito natural’, tem por sua conta uma história tão infame e criminosa que, comparados com ela, os grandes genocídios são notas de rodapé no livro negro dos terrores. E, no entanto, perante este irreparável, a ideia de uma “guerra dos sexos” nunca teve e continua a não ter outra conotação que não seja a que diz respeito à questão metafísica (mesmo muito metafísica) da diferença sexual. Outrora, a afirmação feminista foi muitas vezes acusada de decalcar a lógica da luta de classes e, por essa via, entrar no radicalismo. Mas se imaginássemos uma resposta do feminismo à altura da realidade com que ele se confrontou, teríamos de achar plausível a hipótese de vivermos numa guerra civil sem tréguas até ao dia do Juízo Final.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 15.9.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-6581036441253011352012-09-09T09:01:00.000+01:002012-09-09T09:01:00.260+01:00Ao pé da letra #208 (António Guerreiro): Defender Rui Ramos contra os seus defensores<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">Esta croniqueta tem o propósito avantajado de defender o historiador Rui Ramos contra os seus defensores. Para refutar e defender-se de um crítico – Manuel Loff – mais exaltado do que a atitude científica recomenda, tem o próprio todos os meios – como se viu – e até espaço largo para repousar sobre a frágil argumentação esgrimida pelo adversário, que não parece ter ouvido o coro angélico a soprar-lhe ao ouvido uma antiga exortação revolucionária: “Manuel encore un effort...”. Mas para se defender dos seus defensores indignados que se puseram em fila e foram gritando, à vez, que era preciso banir o difamador e retirar ao aleivoso a coluna do jornal onde ele exerce os seus pérfidos ofícios – para se defender desta gente, dizíamos, que só tem para exibir a verdade enfática do gesto nas grandes circunstâncias da vida (a parte final da frase é de Baudelaire e não precisa de aspas) e é um estorvo na relação de um investigador com os seus pares, Rui Ramos ficou desarmado como um refém. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del></span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Do discurso do seu crítico, ou detrator, para darmos um sentido mais puro às palavras da tribo (a parte final é de Mallarmé), podíamos ainda assim esperar, com uma boa vontade nascida do desejo, que ele seria um pretexto para inaugurar a nossa serôdia “querela dos historiadores”, sem Nolte nem Habermas, mas fazendo do nosso modesto “passado que não quer passar” um estimulante campo de batalha, como é toda a historiografia. Mas essa pequena frincha por onde podia ter entrado o debate foi imediatamente fechada pela dança pública da indignação, por um nauseabundo cortejo do desagravo que age com um pressuposto inaceitável e ofensivo: o de que os leitores, na sua ignorância, estão à mercê de um reclamado manipulador, cujas manobras de prestidigitador só eles – os espertos e iluminados – topam. E foi assim que ganho carácter de urgência a defesa de Rui Ramos contra os seus defensores.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 8.9.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-48352852438486551342012-09-09T09:00:00.000+01:002012-09-09T09:00:03.915+01:00Ao pé da letra #207 (António Guerreiro): O espírito da classe média<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">A classe média, de que tanto se fala hoje, é uma categoria sociológica que já teve um nome muito mais carregado de significado político-cultural: pequena burguesia. A nomeação e caracterização da pequena burguesia foi uma tarefa a que se entregou com persistência a crítica da ideologia. Esta chegou ao seu fim precisamente quando a pequena burguesia, a sua <i>bête noire</i>, que Barthes disse ser “histórica e politicamente a chave do século XX”, se tornou universal, quase sem exterior porque nela se dissolveram as velhas classes. O triunfo planetário da classe média, que na verdade declina qualquer identidade social e só conhece o inautêntico e o impróprio, corresponde ao que noutro plano se chamou o fim da História – último ato da tragicomédia da História universal. Sob o nome de pequena burguesia, ela significava a intelectualização do <i>kitsch</i>, o filisteísmo cultural, um estado de espírito que julga tudo em termos de utilidade imediata e de valores materiais, o culto da individualidade e do hedonismo. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del></span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">O pequeno burguês não é necessariamente ignorante, mas a sua cultura procede pela homogeneização e anulação de tudo o que pode ameaçar a sua utopia concreta da mediocridade que se impôs, aliás, como estilo de vida a que todos aspiram. Assim, para ele, a literatura reduzir-se-á à cultura literária, na arte perseguirá sempre a cultura artística, e assim por diante: a cultura da cultura foi sempre, do ponto de vista intelectual, o seu único objetivo. Pasolini viu esta burguesia como responsável por uma destruição totalitária, como um agente do fim do mundo. Pensar, como é hoje frequente, que a classe média está a reduzir-se por via de um empobrecimento generalizado é desconhecer que ela é infinitamente dúctil, já que se trata de uma categoria do espírito, mais do que uma classe social: e é na condição de tal categoria que ela vive, sobrevive e se reproduz.</span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 1.9.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table>André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20367618.post-80481275865220907732012-08-29T09:00:00.000+01:002012-08-29T09:00:03.879+01:00Ao pé da letra #206 (António Guerreiro): Turistas são os outros<table style="background-color: #232323; border: 1px solid rgb(0, 0, 0); left: -10px; position: relative;"><tbody>
<tr valign="top"><td style="width: 50%;"><div style="line-height: 1.3; margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;">A mais profunda aspiração de todo o turista é subtrair-se ao turismo e não ser como os outros. E como são os outros turistas? Todos infantis, aparvalhados, destituídos de autonomia, guiados pelos tropismos da multidão. O turista é uma presa fácil das armadilhas da reversibilidade cómica: está no centro da cidade histórica ou em qualquer outro lugar, percorrendo as “coisas a ver”, e é ele que se torna a coisa mais visível. Na museificação generalizada que retira as coisas do seu uso, o turista não tem apenas o estatuto de visitante, mas de peça do museu. E, tal como a multidão se deslocava às grandes exposições universais do século XIX para ver a mercadoria, os turistas deslocam-se para ver a montra onde eles são exibidos a si próprios, num grande espetáculo em que os atores coincidem com os espetadores. A crítica do turismo e a denúncia da devastação que ele provoca têm uma idade respeitável (começaram no princípio do século XX), mas nada é mais difícil de contrariar ou de limitar do que tal indústria. </span><span class="Apple-style-span" style="color: #666666;"><del> ¶ </del></span></div></td><td style="width: 50%;"><div style="margin: 10px;"><span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span style="line-height: 1.3;">Veneza tem um ódio visceral aos turistas, mas celebra com eles as núpcias mortais da grande prostituta. O escritor e ensaísta alemão Gerhard Nebel escreveu em 1950 que “o turismo ocidental é um dos maiores movimentos niilistas, uma da grandes epidemias do Ocidente”, e considerava mesmo que “um país que se abre ao turismo fecha-se metafisicamente — oferece um cenário, mas já não a sua mágica potência”. Tal declaração soa hoje como muito pouco original e confunde-se com as reações críticas daqueles que implicitamente reclamam que a viagem turística lhes devia ser reservada em exclusivo. O que Nebel não previu foi que nos tornaríamos todos turistas, nas nossas próprias cidades, pois o que lhes era exterior tornou-se o seu interior, e o que elas têm de mais profundo é a sua pele turística. Até o Erasmus mostrou um regime turístico para a Universidade. </span></span></div><div style="margin: 10px; text-align: right;"><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #f3f3f3;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">António Guerreiro, «<a href="http://aeiou.expresso.pt/antonio-guerreiro=s25438" target="_blank"><b>Ao pé da letra</b></a>», </span><span style="font-style: italic;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Expresso-Atual</span><span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">, Portugal, 25.8.2012.</span></span></span></span></div></td></tr>
</tbody></table><br />
André Diashttp://www.blogger.com/profile/02840932577800270753noreply@blogger.com0