Acreditem (DocLisboa 2008 #2)
Talvez porque me fiz de convidado para a conferência de imprensa de apresentação do DocLisboa 2008, recebi no último dia do prazo, um email a anunciar, em geral, não apenas para mim, o fim dos pedidos de acreditações para o festival. Fazer-me de convidado é o meu método para isto e para tudo. Há outra maneira? Na verdade, alguma vez houve outra maneira? Ficar em casa, mantendo a sua pureza, a aguardar um convite que julgamos merecido é meio caminho andando para uma personalidade amargurada. Portanto, da alegria que mantenho faz parte o “fazer-me aos lugares”, de que me acusou um jovem tão solícito em heroificação. Isto, claro, com a salvaguarda de não andarmos a lamber o cú a ninguém para fazermos alguma coisa. Não que eu tenha alguma coisa contra lambê-los, mas não para este fim. Não é fácil manter a independência. É ela que está sempre a ser comprada com favores ou anuências. Mas resolvi arriscar e pedir a tal acreditação, que me permitiria ver os filmes sem pagar. Não é grande luxo, mas uma ajuda mesmo assim. Afinal, mesmo não podendo, para o bem e para o mal, considerar-me parte da imprensa, o que escrevo aqui terá alguma utilidade residual. Dão-se acreditações por bem menos. Mas foi incrível como este simples pedido, que para além dos bilhetes apenas me daria talvez a singela sensação de pertencer a uma qualquer pequena elite, me tornou imediatamente autoconsciente do que escrevia. | De repente, a preocupação principal passa a ser o ter cuidado com o que se escreve, tentando não ferir as hiper-sensíveis susceptibilidades alheias daqueles que se possam sentir visados por uma crítica ou observação quanto ao seu trabalho. Mesmo não tendo como horizonte, ao escrever sobre cinema, qualquer pessoalização, no nosso contexto acaba sempre por ir lá dar. Alguém há de sentir-se ofendido e a máquina da discriminação começa a mastigar. Somos tão liberais aparentemente... Se isto acontece a alguém como eu, que conta rigorosamente para nada, imaginem agora o quanto não se sentirão pressionados os críticos e os jornalistas que acompanham a distribuição de cinema e os festivais em particular na imprensa escrita. Há muita coisa em jogo, nomeadamente muito dinheiro envolvido. Talvez esta promiscuidade explique um pouco a apatia acrítica de natureza entusiástica, quaisquer que sejam as circunstâncias, em tons de repetição de press-releases, com que são acolhidas estas iniciativas maiores dos festivais nos jornais e o correspondente esquecimento e negligência a que são votadas obras cinematográficas importantes que ainda encontram uma fresta por onde passar. P.S.: Hoje, Sábado, dia 18, foi-me atríbuida por fim a acreditação. Que aceitei, claro, agradecido. Seria de uma soberba indesculpável não a aceitar, depois do que aqui escrevi. |
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