Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

As flores e a caneca | The flowers and the mug



«Recentemente fiz parte de um painel de selecção de realizadores na National Film and Television School. Ian Sellar, que estagiou nos filmes de Bill [Douglas] e na NFTS, era outro dos membros do painel. Ficámos ambos surpreendidos e impressionados com o número de candidatos que nomearam o Bill como inspiração e influência. Podia ser que tivessem feito a sua pesquisa, mas duvidei que conhecessem as nossas ligações, dado que não sou creditado [como produtor] em nenhum dos seus filmes (mas isso é uma outra história). Em todo o caso, desafiei-os a serem mais específicos acerca do que admiravam. Uma de entre eles, Ashleigh Irving, referiu apenas uma cena de My Childhood. Descreveu-a desta forma: “Havia este plano de umas flores numa caneca. Apesar de estarem murchas, eram a única coisa bonita naquele sítio. De forma chocante, Jamie entra, atira as flores fora, e deita água a ferver na caneca até que a água transborda para a mesa. Depois despeja a caneca e coloca-a entre as mãos em concha da sua avó. Segura-lhe nas mãos e afaga-as. Compreendi então que havia algo muito mais bonito do que as flores.” Ian Sellar inclinou-se para a frente, cativado. Os seus olhos bem abertos e húmidos. Vinte anos antes tinha encontrado estas mesmas papoilas. Bill tinha passado a chama por baixo das flores até elas encarquilharem e caírem. Depois arranjou-as na caneca.»

[Este é o último parágrafo do último texto de uma obra de homenagem ao realizador Bill Douglas; cf. também «A fixação autobiográfica»]
«Recently I sat on a selection panel for directors at the NFTS. Ian Sellar, who trained on Bill [Douglas'] films and at the NFTS, was another panel member. We were both surprised and impressed by the number of applicants who named Bill as an inspiration and an influence. It could be that they had done their research, but I doubted they'd known of my connection as I do not have a credit [as producer] on any of Bill's films (that's another story). In any case, I challenged them to be specific about what they admired. One of them, Ashleigh Irving, singled out a scene from My Childhood. She described it this way: “There was this shot of some flowers in a mug. Although they were droopy, they were the only thing of beauty in the whole place. Shockingly, Jamie comes in and throws away the flowers and pours boiling water into the mug until the water overflows on to the table. He then empties the mug and puts it between the cupped hands of his grandmother. He holds her hands and pats them. And then I realized that there was something much more beautiful than the flowers.” Ian Sellar leant forward transfixed. His eyes were wide open and moist. Twenty years earlier he had found these very poppies. Bill had played a flame under the flowers until they had wilted and dropped. Then he arranged them in the mug.»

Mamoun Hassan, «Working with Bill», in Bill Douglas - A lanternist's account, 1993, p. 231.


Meros filmes em Setembro


Five – Dedicated to Ozu
Abbas Kiarostami
2003, 74’
projecção contínua, 13h30-22h
Sala 6x2 Cinemateca*, Lisboa

A Ilha dos Amores
Paulo Rocha
1982, 172’
2ª, dia 1, 22h Cinemateca

10 on Ten
Abbas Kiarostami
2004, 120’
5ª, dia 4, 21h30 – Cinemateca

Je, tu, il, elle
Chantal Akerman
1974, 90’
2ª, dia 8, 19h30 – Cinemateca

The big parade
King Vidor
1925, 130’
3ª, dia 9, 22h – Cinemateca
os soldados avançam por entre as árvores...*

Muriel ou le temps d'un retour
Alain Resnais
1963, 115’
4ª, dia 10, 22h – Cinemateca

Prénom Carmen
Jean-Luc Godard
1984, 85’
5ª, dia 11, 19h30 – Cinemateca

Giorgobistve / Folhas caídas
Otar Iosseliani
1967, 100’
Eram os Anos 60
6ª, dia 12, 22h – Cinemateca

Robert Kramer
Scenes from the classe struggle
in Portugal
(co-real. Philip Spinelli)

1977, 96’
2ª, dia 15, 19h30 – Cinemateca

How green was my valley
John Ford
1941, 118’
5ª, dia 18, 15h30 – Cinemateca


Laura
Otto Preminger
1944, 85’
Sáb, dia 20, 22h – Cinemateca

Model shop
Jacques Demy

1968, 90’
Eram os Anos 60
, dia 25, 19h Cinemateca

The exiles
Kent MacKenzie
1961, 72’
2ª, dia 29, 23h – Cinemateca


[apenas filmes vistos, sem repetições]

Portrait of Jason (Shirley Clarke), uma antecipação


Portrait of Jason (1967) de Shirley Clarke (excerto vídeo de GarycomUK)
2ª, dia 1 de Setembro, 19h30 – Cinemateca, Lisboa

«É assim meu dever [...] não aceitar a honra do vosso prémio [do New York Film Critics Circle] por mais tempo. Aceitem, por favor, as seguintes razões incompletas para uma tão genuína e discreta afirmação:
JLG nunca conseguiu, ao longo da sua carreira de realizador/espectador de cinema: [...]
Convencer o New York Film Critics Circle a não se esquecer de Shirley Clarke. [...]»
Jean-Luc Godard

Julgo que PORTRAIT OF JASON é um filme raríssimo e quase de culto, por isso mesmo difícil de programar. Creio que permanece inédito em Portugal, embora conheça pelo menos uma tentativa anterior de o trazer. Aparece agora incluído no excelente ciclo Eram os Anos 60, uma ambiciosa panorâmica da década que não se esgota na dimensão cinematográfica.
Shirley Clarke é a realizadora de THE CONNECTION (1962) e, em particular, da pequena obra-prima THE COOL WORLD (1964), entre outros filmes. Num documentário a ela dedicado, pudémos há alguns anos entrever um fascinante e relativamente longo excerto deste PORTRAIT OF JASON.
Claro que é sempre potencialmente enganador antever um filme por um excerto brilhante (ainda mais por um trailer manhoso; embora muitas vezes aconteça o contrário, trailers manhosos que afastam de filmes afinal aceitáveis). Mas na altura em que vimos aquele bocado de PORTRAIT OF JASON cobrimo-nos de uma grande esperança. E pelo menos essa esperança de encontrar uma obra maior baseava-se em algo visto, e não apenas numa qualquer investida especulativa e desavergonhada de marketing em páginas da imprensa. (Estes outros excertos que encontrei no Youtube parecem reportar-se ao início do filme.) Na altura deixei aqui um pedido. Obviamente, não foi por isso o filme veio. Mas ainda bem que há pessoas atentas e que ainda vão encontrando condições de trabalho para expôr essa atenção.
Aliás, a Cinemateca, neste momento que parece simultaneamente de comemoração e de viragem, tem procurado colmatar alguma das suas lacunas no interior do seu ciclo de aniversário. Confiram o rico programa de Setembro, já disponível.

«Barry Keith Houve algum momento específico em que tenha pensado que alguém estava a ser tão maltratado que tinha que largar o equipamento e dizer alguma coisa?

Frederick Wiseman – Há uma sequência em LAW AND ORDER em que membros da brigada de costumes [vice squad] estrangulam uma mulher acusada de ser prostituta porque empurrou um polícia à paisana pelas escadas abaixo. O incidente deu-se no hotel para onde o polícia tinha levado a prostituta de forma a fazer a prisão. Para prender alguém por prostituição em Kansas City tem que haver um preço declarado e um “acto”, o que significa que o polícia da brigada de costumes teve que se despir pelo menos até ficar de camisola interior e, presumivelmente, no último momento, fazer a prisão. Nesta situação particular, o polícia fez a prisão e, quando levava a mulher descendo as escadas do hotel, ela empurrou-o, fugiu e escondeu-se na cave. Ele chamou a brigada de costumes, estes vieram e nós estávamos com eles no seu carro. O porteiro do hotel disse que a mulher tinha fugido para a cave e que não havia luzes lá em baixo. Era uma daquelas noites em que por sorte tinha um projector de luz [stun gun] comigo. Encontraram a mulher escondida debaixo de umas mobílias velhas na cave e um dos polícias começou a estrangulá-la em frente dos nossos projector, câmara e gravador de som. Libertou-a passados trinta segundos e ela virou-se para o outro polícia, que lhe estava a segurar as mãos, e disse – “Ele estava a tentar estrangular-me”. O polícia disse – “Não, isso és tu a imaginar”. No entanto, tínhamos acabado de gravar todo o incidente em película.

Pode considerar-se que os polícias teriam morto a mulher se a equipa de filmagens não tem estado lá, mas, duma maneira ou doutra, eles evidentemente acreditavam que o seu comportamento era apropriado. Pensei em intervir, e gosto de pensar que, se o incidente tem demorado mais outros vinte segundos, teria intervindo, mas não fui realmente posto à prova, porque o polícia parou de estrangular a mulher por sua vontade. Sabia que, se tenho intervindo, não significaria necessariamente o fim do filme, mas ter-se-ia espalhado pelo departamento de polícia que eu gostava de me armar em esperto e que pensava que conhecia o trabalho dos polícias melhor do que eles. O meu trabalho era fazer o filme.»


[Frederick Wiseman virá mais uma vez a Lisboa para uma pequena retrospectiva dos seus filmes, nomeadamente dos mais antigos, e uma masterclass, em Outubro no DocLisboa 2008.]
«Barry Keith Has there ever been a particular instance when you thought someone was being treated so badly that you wanted to put the equipment down and say something?

Frederick Wiseman – There is a sequence in LAW AND ORDER where some members of the vice squad strangle a woman accused of being a prostitute because she knocked an undercover policeman down a flight of stairs. The incident took place in the hotel that the policeman had taken the prostitute to in order to make an arrest. To book someone for prostitution in Kansas City, there must be a declared price and an 'act', which means that the vice squad policeman had to strip down at least to his undershirt and, presumably, at the last minute, make the arrest. In this particular situation, the policeman made the arrest and, as he was leading the woman down the stairs of the hotel, she knocked him down, fled and hid in the basement. He called the vice squad, they came and we were with them in the vice squad car. The bellhop of the hotel said that the woman had fled to the basement and there were no lights down there. It was one of those nights when fortunately I had a stun gun with me. They found the woman hiding under some old furniture in the basement and one of the cops started to strangle her in front of our stun gun, camera and tape recorder. He let her go after about thirty seconds and she turned to the other cop that was holding her hands and said, "he was trying to strangle me". The cop said "oh no, you're just imagining that". Yet we had just recorded the entire incident on film.

You could argue that the cops would have killed the woman if the film crew hadn't been there but, one way or other, they obviously believed that their behaviour was appropriate. I thought about intervening and I'd like to think that, had the incident gone on another twenty seconds, I would have intervened but I wasn't really put to the test because the cop stopped strangling the woman on his own accord. I knew, had I intervened, it wouldn't have necessarily been the end of the movie but word would have spread around the department that I was a wise guy and that I thought I knew the cops' business better than they did. My job was to make the movie.»


Frederick Wiseman, Documentary Filmmaker,
2002 Lifetime Achievement Award Recipient, Interviewed by Professor Barry Keith Grant



Law and order (1969) Frederick Wiseman

[Por queixa da Zipporah Films, Inc. ao Youtube, relativa a copyright infringement, o excerto de LAW AND ORDER, a que se refere a entrevista citada, deixou de estar disponível. As minhas desculpas à Zipporah por ter divulgado ilegalmente o filme, apesar de ter achado o uso justificado, e também aos leitores deste blogue, pelo mesmo já não estar disponível... Mas os primeiros nove sortudos podem descarregá-lo aqui.]

Meros filmes em Agosto


Aquele querido mês
de Agosto

Miguel Gomes
2008, 147’
estreia 5ª, dia 21
15h, 18h15, 21h30
Medeia King
, Lisboa
15h15, 18h15, 21h30, 00h20
UCI Cinemas – El Corte Inglés 2, Lisboa
(tb. Porto, Viseu, Coimbra, Castelo Branco)

[apenas filmes vistos, sem repetições]


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