Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

«Barry Keith Houve algum momento específico em que tenha pensado que alguém estava a ser tão maltratado que tinha que largar o equipamento e dizer alguma coisa?

Frederick Wiseman – Há uma sequência em LAW AND ORDER em que membros da brigada de costumes [vice squad] estrangulam uma mulher acusada de ser prostituta porque empurrou um polícia à paisana pelas escadas abaixo. O incidente deu-se no hotel para onde o polícia tinha levado a prostituta de forma a fazer a prisão. Para prender alguém por prostituição em Kansas City tem que haver um preço declarado e um “acto”, o que significa que o polícia da brigada de costumes teve que se despir pelo menos até ficar de camisola interior e, presumivelmente, no último momento, fazer a prisão. Nesta situação particular, o polícia fez a prisão e, quando levava a mulher descendo as escadas do hotel, ela empurrou-o, fugiu e escondeu-se na cave. Ele chamou a brigada de costumes, estes vieram e nós estávamos com eles no seu carro. O porteiro do hotel disse que a mulher tinha fugido para a cave e que não havia luzes lá em baixo. Era uma daquelas noites em que por sorte tinha um projector de luz [stun gun] comigo. Encontraram a mulher escondida debaixo de umas mobílias velhas na cave e um dos polícias começou a estrangulá-la em frente dos nossos projector, câmara e gravador de som. Libertou-a passados trinta segundos e ela virou-se para o outro polícia, que lhe estava a segurar as mãos, e disse – “Ele estava a tentar estrangular-me”. O polícia disse – “Não, isso és tu a imaginar”. No entanto, tínhamos acabado de gravar todo o incidente em película.

Pode considerar-se que os polícias teriam morto a mulher se a equipa de filmagens não tem estado lá, mas, duma maneira ou doutra, eles evidentemente acreditavam que o seu comportamento era apropriado. Pensei em intervir, e gosto de pensar que, se o incidente tem demorado mais outros vinte segundos, teria intervindo, mas não fui realmente posto à prova, porque o polícia parou de estrangular a mulher por sua vontade. Sabia que, se tenho intervindo, não significaria necessariamente o fim do filme, mas ter-se-ia espalhado pelo departamento de polícia que eu gostava de me armar em esperto e que pensava que conhecia o trabalho dos polícias melhor do que eles. O meu trabalho era fazer o filme.»


[Frederick Wiseman virá mais uma vez a Lisboa para uma pequena retrospectiva dos seus filmes, nomeadamente dos mais antigos, e uma masterclass, em Outubro no DocLisboa 2008.]
«Barry Keith Has there ever been a particular instance when you thought someone was being treated so badly that you wanted to put the equipment down and say something?

Frederick Wiseman – There is a sequence in LAW AND ORDER where some members of the vice squad strangle a woman accused of being a prostitute because she knocked an undercover policeman down a flight of stairs. The incident took place in the hotel that the policeman had taken the prostitute to in order to make an arrest. To book someone for prostitution in Kansas City, there must be a declared price and an 'act', which means that the vice squad policeman had to strip down at least to his undershirt and, presumably, at the last minute, make the arrest. In this particular situation, the policeman made the arrest and, as he was leading the woman down the stairs of the hotel, she knocked him down, fled and hid in the basement. He called the vice squad, they came and we were with them in the vice squad car. The bellhop of the hotel said that the woman had fled to the basement and there were no lights down there. It was one of those nights when fortunately I had a stun gun with me. They found the woman hiding under some old furniture in the basement and one of the cops started to strangle her in front of our stun gun, camera and tape recorder. He let her go after about thirty seconds and she turned to the other cop that was holding her hands and said, "he was trying to strangle me". The cop said "oh no, you're just imagining that". Yet we had just recorded the entire incident on film.

You could argue that the cops would have killed the woman if the film crew hadn't been there but, one way or other, they obviously believed that their behaviour was appropriate. I thought about intervening and I'd like to think that, had the incident gone on another twenty seconds, I would have intervened but I wasn't really put to the test because the cop stopped strangling the woman on his own accord. I knew, had I intervened, it wouldn't have necessarily been the end of the movie but word would have spread around the department that I was a wise guy and that I thought I knew the cops' business better than they did. My job was to make the movie.»


Frederick Wiseman, Documentary Filmmaker,
2002 Lifetime Achievement Award Recipient, Interviewed by Professor Barry Keith Grant



Law and order (1969) Frederick Wiseman

[Por queixa da Zipporah Films, Inc. ao Youtube, relativa a copyright infringement, o excerto de LAW AND ORDER, a que se refere a entrevista citada, deixou de estar disponível. As minhas desculpas à Zipporah por ter divulgado ilegalmente o filme, apesar de ter achado o uso justificado, e também aos leitores deste blogue, pelo mesmo já não estar disponível... Mas os primeiros nove sortudos podem descarregá-lo aqui.]

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