Deterioração (DocLisboa #11)
Um dos filmes mais interessantes deste ano foi o raro VIDEOLETTER (1983) de Shuntaro Tanikawa e Shuji Terayama, programado por Augusto M. Seabra no seu Diários filmados e Autoretratos. Trata-se de uma série de subtis cartas-vídeo trocadas entre dois artistas japoneses. A sua projecção foi particularmente acidentada, mas não daquele modo que cria enervamento. É mais como se algo da fragilidade da composição da obra se tivesse estendido à projecção. Esta concordância é muito mais aceitável do que a negligência habitual. O formato vídeo em que estas cartas-vídeo terão sido filmadas é provavelmente o Hi8, que se caracteriza pelo desbotamento a cores berrantes. A projecção terá sido feita a partir de um formato vídeo também ele extremamente frágil, senão mesmo no original Hi8, pois a imagem era constantemente afectada pelas insuficiências técnicas, que, diga-se, têm plasticamente o seu quê de belo. | Num momento particularmente pungente, já não me lembro qual dos dois autores evocava a sua história familiar através da filmagem de algumas fotografias antigas a preto e branco da sua mãe. A falha arrastada que rompia o ecrã, atravessando-o de uma ponta quase à outra, tornou-se por momentos insustentável e o ecrã ficou neutro cinzento, como que desligado, sem fonte. O leitor ou o projector terão simplesmente recusado ler a informação deteriorada pelo tempo. Por um momento a técnica pôs-se de acordo, deteriorando a própria evocação. Senti aquele vazio como muito apropriado. E, mesmo que não constando originalmente da obra, ficará para mim sempre associado a ela. |
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