Notas demasiado soltas (DocLisboa 2007) #2: Zoofilia
Nem de propósito... (Os festivais de cinema mantém uma espécie de grande caixote do lixo, que dão pelo nome de Videotecas. Como nos caixotes do lixo das nossas cidades, é ingenuidade severa pensar que dá para ir lá buscar os restos que se quer à vontade. Existem regras, e são para cumprir. Assim, por exemplo, no IndieLisboa nem sequer depois dos filmes terem passado em projecção se os pode ver na Videoteca. Partem do princípio que não quisemos pagar o bilhete, e não estão dispostos a ouvir que não podíamos, tínhamos uma sessão à mesma hora, estávamos doentes, etc. No DocLisboa é um pouco mais amigável. Depois dos filmes passarem podem ser vistos. Mas a bactéria média que habita Videotecas são os filmes recusados na selecção. É assim que, para além da fruta demasiado verde para ser comestível, também se lá encontram, nesses grandes caixotes, por vezes, alimentos deveras nutritivos. Certo que alguns terão o prazo de validade já passado, mas a sua pujança alimentícia em nada esmoreceu, pelo contrário. E não sabemos nós que anda por aí muito restaurante a servir senão comida estragada? Foi portanto assim que, nos últimos anos, acabei por ver alguns filmes do Herzog, ou do Farocki, de sabor relativamente apurado. Este ano já pude provar um dos últimos Cavalier, talvez rejeitado em competição ou que não se terá talvez conseguido intrometer-se numa sessão paralela.) ... Nem de propósito, dizia eu, procurando continuar o agradável solilóquio sobre a zoofilia (ver em baixo), em Huit récits express de Alain Cavalier, pescado na Videoteca do DocLisboa, há um episódio relevante em que o realizador e a mulher se entretéem, como de resto habitualmente, a comentar o seu quotidiano mais comezinho filmado em câmara à mão. (Se quiserem experimentar ao que sabe, experimentem Le filmeur, que ainda vai passar). Mas, neste episódio particular, concentram a sua atenção no comportamento do seu gato, aliás recentemente (mal) capado, que fantasmaticamente insiste em subir para a cama do casal e simular a cópula com os pés da dona, apesar de não ser munido, mordendo-a com aquela mistura de dureza e carinho que também nós tão bem conhecemos. Ouço dizer que tal é um comportamento por demais comum nos canídeos. Por isso, não será talvez de surpreender que algumas pessoas, menos versadas na obediência aos bons costumes, procurem retribuir, respondendo a esses apelos de amor físico interespécies, comendo do mesmo prato. Cavalier e a mulher responsabilizam o perfume dela, que dá pelo nome de Joy, pelo comportamento. Eu também. Aliás, ainda recentemente deixei entrar uma osga no quarto, garanto que por descuido, e fui forçado a dormir com ela.