Notas demasiado soltas (DocLisboa 2007) #1: Citações
«Os defeitos de ontem são as qualidades de hoje», diz Boris Lehman no seu Tentatives de se décrire, a propósito de umas imagens feitas por si há alguns anos atrás. Parece ser uma singular tendência da vida não-orgânica o esconder-se nas fragilidades e falhas. O demasiado brilho da perfeição repugna. Prefere-se a penumbra e o riscado. Vejam-se os heróis da literatura do século passado (perceber-se-á porque cultivam as bandas contemporâneas o looser look). Mas, como dizia o outro, e de capital importância, tem que se compreender que, mesmo algo aparentemente fácil como falhar, não pode ser feito assim de qualquer maneira.
*
«Os Palestinianos estão num documentário de Wiseman», diz Godard a dada altura de Morceaux de conversation avec... de Alain Fleischer. Ça sent vrai... (Mesmo se Wiseman é judeu. Isso não tem importância alguma.)
*
«Com a tua inteligência, podias ter sido contabilista...», diz o pai do realizador Alan Berliner em Nobody’s business. «Mas Pai, os meus filmes são vistos em todo o mundo», retorque o filho precipitadamente, como se não tivesse o sentido das proporções. «Trabalho de esmola», responde definitivo o pai. Pois é. Quantos de nós não andamos à esmola...
*
«Tentei conciliar a religião com a zoofilia», diz uma das personagens de Zoo de Robinson Devor. Hmm... (Pensando melhor, talvez até tenha razão, embora estritamente de um ponto de vista não-monoteísta. A comunhão com os animais e não sei quê. E é por estas e por outras que o humor é a coisa mais inteligente que há no mundo e, simultaneamente, a mais estúpida. Um dos méritos do filme, de resto extremamente bizarro e cansativo do ponto de vista formal, é revelar o quão pouco distantes estão uma zoofilia de cariz sexual e a sua congénere mais, digamos, promovida, a zoofilia estritamente afectiva, a que diz respeito ao afecto pelos animais de estimação.)