Se o papel não pode embrulhar as brasas...
O estilo de Rithy Panh, não sendo, no entanto, caso único entre grandes realizadores, é confundível com a televisão, e não apenas à primeira vista. Há algo de aparentemente simplificado no modo como trabalha com a câmara e a relaciona às pessoas que encontra. Quero dizer que ele não procura refugiar-se numa estilização formal que o proteja dessa possível indistinção com o amorfismo, por vezes obsceno, da televisão. Por isso tem-se a sensação de que são muito livres os seus filmes. Pois conseguem atravessar essa confusão nas nossas cabeças para construir por outra vias (mas quais?) uma sensação viva. Um filme como este, que foca de tão perto as vidas, e não consigo evitar dizê-lo, desgraçadas das prostitutas cambojanas, e em que elas frequentemente choram em grande plano, constitui assim mais uma prova da brilhante dissolução dessa indistinção, embora não seja obviamente essa a sua principal vitória. E isto apesar de haver momentos que nos fazem hesitar para que lado pende, como a sublimação de uma chuvada ou um certo tipo de utilização da música. Mas, no fim de tudo, a verdade é que se o papel não pode embrulhar as brasas, o filme consegue. Urge por isso rever os seus maravilhosos e não menos estranhos filmes – S-21, Les artistes du théâtre brûlé e este – para começar a perceber porquê. | (É esse um dos mistérios do cinema, quanto a mim. Que sem regras pré-estabelecidas, tendo que fazer a experiência de filme a filme, cada um por si, uma construção de sensações se forme, sejam harmónicas ou não, e que o filme nos habite doravante assim, uno e múltiplo ao mesmo tempo, simples e complexo, nos bons casos, artefactos que não ficam a dever à vida, a ela devolvendo tudo o que pediram emprestado.) Le papier ne peut pas envelopper la braise (2006) de Rithy Panh Sáb, dia 20, 16h30 - Londres 1 2ª, dia 21, 21h - Culturgest, Grd. Aud. |