Notas demasiado soltas (DocLisboa 2007) #3: Sair da sala
Sair da sala. Com as luzes ainda apagadas. Pisando os outros espectadores. Algures a meio do filme. É uma pena, tenho que dizer. Mas é preciso, por vezes. Há todavia uma escola de pensamento que defende que se deve ver um filme até ao fim, em qualquer circunstância, pois pode sempre haver algo que o salve. Apesar de acreditar na salvação, confesso que não partilho desta regulamentação. À medida que vou vendo um filme vou sentindo avolumar-se, nem falo de ofensas e indignidades várias que os filmes vão deixando cair, mas um remolhão de intuições acerca da possível disposição mútua entre mim e a dita obra cinematográfica. Quer dizer, aquilo que nos vai dar não chega para o que queríamos receber. Em cada pessoa, esse ponto de equilíbrio estará mais à mostra ou, pelo contrário, bem escondido. Em suma, não é igual para todos. Por mim, não tenho gosto nenhum em ficar pendurado nesse hiato, eu de mão estendida ao filme que não a cumprimenta, e vice-versa. É embaraçoso.
Por outro lado, quando se dá o caso de se ver cinema em instituições culturais não especificamente vocacionadas para o cinema, corre-se o risco de se ser confrontado com toda uma ética estranha, imposta pelos funcionários-arrumadores mais habituados às ditas artes do espectáculo. Não poucas vezes me vejo obrigado a franzir as sobrancelhas e a dizer com a convicção mais amável que consigo: «Isto não é teatro! No cinema saímos e entramos quando queremos!» Procuro assim deixar o mais claro possível que, enquanto espectador de cinema, desde que pague bilhete (e mesmo não pagando), não reconheço quaisquer limitações à livre circulação da minha própria pessoa, de fora para dentro e de dentro para fora. Quer dizer, nem sequer há alguém de carne viva no palco que possa distrair a sua solenidade com a irrupção de um espectador atrasado ou simplesmente distraído. É só uma tela. Claro que há espectadores que, desprezando aparentemente a também nobre história das sessões contínuas de cinema, preferem uma disciplina mais espartana, e advogam que nada em nenhuma circunstância se interponha entre o bailado que dançam quietos com os olhos no ecrã. Por isso, desculpem lá, mas saio e entro quando me apetecer. Deviam experimentar. A versão pequena da alegria de desistir mesmo ali à mão. Até porque não há pior do que um espectador ressentido, bufando por tudo e por nada, rindo-se de desdém às horas mais inapropriadas, mantendo-se colado à sua cadeira apenas para a manutenção dos seus maus-figados.
Por outro lado, quando se dá o caso de se ver cinema em instituições culturais não especificamente vocacionadas para o cinema, corre-se o risco de se ser confrontado com toda uma ética estranha, imposta pelos funcionários-arrumadores mais habituados às ditas artes do espectáculo. Não poucas vezes me vejo obrigado a franzir as sobrancelhas e a dizer com a convicção mais amável que consigo: «Isto não é teatro! No cinema saímos e entramos quando queremos!» Procuro assim deixar o mais claro possível que, enquanto espectador de cinema, desde que pague bilhete (e mesmo não pagando), não reconheço quaisquer limitações à livre circulação da minha própria pessoa, de fora para dentro e de dentro para fora. Quer dizer, nem sequer há alguém de carne viva no palco que possa distrair a sua solenidade com a irrupção de um espectador atrasado ou simplesmente distraído. É só uma tela. Claro que há espectadores que, desprezando aparentemente a também nobre história das sessões contínuas de cinema, preferem uma disciplina mais espartana, e advogam que nada em nenhuma circunstância se interponha entre o bailado que dançam quietos com os olhos no ecrã. Por isso, desculpem lá, mas saio e entro quando me apetecer. Deviam experimentar. A versão pequena da alegria de desistir mesmo ali à mão. Até porque não há pior do que um espectador ressentido, bufando por tudo e por nada, rindo-se de desdém às horas mais inapropriadas, mantendo-se colado à sua cadeira apenas para a manutenção dos seus maus-figados.