Começa daqui a pouco a quinta edição do IndieLisboa, um daqueles momentos condensados de exercício de cinefilia ou simples prazer cinematográfico. Depois de uma grande desconfiança pessoal, que me fez perder alguns filmes importantes, aderi nos últimos anos ao festival, ainda que com prudência. É que, bem escondidas, sujeitas a um imenso trabalho de escavação, sempre se descobriam lá no meio uma ou outra pérola cinematográfica, que é o género que ando à procura. No entanto, este ano, a minha expectativa é manifestamente baixa. Algumas razões para isso. Os directores do festival, talvez assolados com exigências de produção, mantêm a característica irritante obsessão com o crescimento do número de espectadores (que aliás partilham com o DocLisboa), como se os números fossem um fim em si. Para sublimar essa obsessão, contrataram uma campanha publicitária assoladora e inesperadamente cretina, que revelou a sua verdadeira face, a meu ver, num anúncio paralelo de uma marca de cosméticos que, usando o mesmo slogan, dizia descaradamente assim: «Estavam à espera de quê? Gente feia?» Benditos criativos! É que as gentes feias, no meu entender, também têm lugar no cinema. Diria mesmo, um lugar privilegiado. Um cinema que ainda mereça esse nome será aquele que hoje, entre outras coisas, não distinga entre gentes feias e bonitas, acabando por revelar outras coisas mais importantes, outras distinções mais relevantes. Claro que isto não deveria surpreender, tal é a infeliz tendência do festival para o pop e o cool, sabores do momento a que não podem ou sabem fugir. Por isso faz igualmente sentido a aliança com o jornal Público, órgão oficial, que nos alimenta das mesmas obrigatoriedades nos seus suplementos culturais. É, portanto, um péssimo sinal, a todos os níveis, do cinematográfico ao político, esta interpelação desajeitada, que se toma por provocatória, do «estavam à espera de quê?».
| Quanto ao que interessa mesmo, a programação, ela deixa, numa primeira análise, bastante a desejar, pelo menos em comparação com o ano anterior. Como se, para a consolidação do festival, optassem ao invés por uma programação mais conservadora. Até a secção «Herói independente», que guardava muito do melhor do festival, parece relativamente tépida, pouco arriscada. As retrospectivas de Johnnie To (que não conheço), de José Luis Guerín, e do Novo Cinema Romeno (que não estou ainda certo, apesar de Cristi Piui, que verdadeiramente exista) são escolhas cautelosas, conscienciosas. Dito isto, e porque não faço contas à grande, mas à pequenez de um filme inesperadamente descoberto, de um autor revelado (como, por exemplo, a alemã Angela Schanelec, através de uma sua muito bem escondida média metragem no heterodoxo programa «Um cinema alemão» do ano passado), admito e espero surpreender-me com os filmes que resolveram oferecer-nos. Talvez a cinefilia dos programadores, apesar das aparências, passe por ser uma actividade secreta e envergonhada de colocação de armadilhas, de filmes inesperados, no meio do engano. Não são esses, no entanto, os sinais. Gritantemente sintomática dessa tendência é a não selecção da importante curta metragem ESTAÇÃO de Luís Miguel Correia, sobre a qual já escrevi aqui*. Lamentavelmente, pois circunscreve em muito o número de gente que a poderá ver. E, entre outras infelicidades mais graves, perder-se-á assim a oportunidade de pôr João Nicolau, realizador de RAPACE, a reagir, enquanto júri das curtas metragens, a esta curta que pode, e talvez deva, ser vista em paralelo com a sua. De resto, são muitos, quase demasiados, os filmes sobre os quais exercer a suspeita e a benevolência de quem ainda está à espera de alguma coisa do cinema. * Declaração de interesses: o realizador é um amigo e o filme foi produzido por uma produtora de que sou sócio. Isto muda alguma coisa? |