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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Notas demasiado soltas (IndieLisboa 2008) #7: O elogio de Marker

Aos realizadores nem sempre se deve levar à letra (o que dizem). Têm coisas bem mais importantes em que pensar do que corresponder às nossas expectativas e incompreensões. E são, dos seus próprios filmes já concluídos, meros espectadores, tal como nós. Mesmo assim, há que receber as suas palavras com toda a humildade e, sobretudo, não as deixar esmagar o filme propriamente dito.
Mais difícil ainda é encontrar elogios à obra alheia, em particular se esta for contemporânea. Nisso são particularmente sucintos. Talvez os antigos mestres façam um tipo de sombra mais aprazível, apesar de toda a sua grandeza. Por isto queria mencionar novamente, depois de ter visto o filme, este elogio particular de Chris Marker a CHARLY de Isild Le Besco:

[... U]m filme, o de Isild, pelo menos tão misterioso quanto ela. Um filme de esfoladelas e de verdade, que recusa as maquilhagens da sedução para atingir esse ponto incandescente onde a dificuldade de estar com o outro já não é representação de papéis mas um salto no vazio, que rompe com todos os códigos cinematográficos bem-pensantes e que não se deixa esquecer.

À primeira leitura poderá parecer aquela conversa habitual dos críticos, e profusos émulos destes, que abusam da adjectivação entusiástica. E o entusiasmo dessas fórmulas tende a substituir, a mascarar a própria obra a que se referem. [Como quando (quase todos) os actores lêem poesia. Temos a impressão que, na sua dicção tão aperfeiçoada, estão a ouvir, a ler-se a eles próprios, não ao poema, que mal nos chega.]
Mas não. A verdade é que a frase de Marker é literalmente exacta por relação ao filme. Explicar porquê temo que esteja para além das minhas capacidades. Se o tentasse, limitar-me-ia a parafraseá-la, a mostrar como cada uma das suas frases, palavras mesmo, corresponde a algo que existe e vive no filme.
O melhor é simplesmente que o vejam. Se eu acabei por chegar até ele (como já tinha dito nas «antecipações cegas»), foi afinal apenas porque levei a sério o que disse este realizador sobre outro filme actual. Doutra forma, sem este seu gesto generoso, não chegaria lá. Que outros sinais apontavam para a subtileza e originalidade desta obra? Há que falar pouco e, quando se abrir a boca, dizer algo que valha a pena.

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