Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Notas demasiado soltas (IndieLisboa 2008) #2: O cansaço olha para a câmara

Quando já sentimos o fim aproximar-se, no documentário PIC - NIC de Eloy Enciso rodado na praia de Benidorm, e estamos bem avançados na observação dos velhos madrugadores em férias, a câmara fixa-se com uma insistência algo despudorada num velho distraído, que parece perdido nas suas ideias, contemplando derreado a rua. Um excessivo voyeurismo parece insinuar-se de repente, como que à beira de destruir a relativa reserva que até então nos tinha abrigado. A demora na face do velho não nos está a ajudar, e sentimos que perdemos o filme, todo aquele que passou, a nebulosa que ele começava a criar na nossa cabeça, porque não soube hesitar no momento necessário.
Mas eis que o velho, apesar de bastante apagado, por fim distrai o seu olhar para dentro e, continuando a deriva, acaba por fitar ele próprio a câmara, com a mesma paciência cansada.
Passado um pouco também a câmara se torna desmerecedora da sua atenção, e dela se despede para fitar de novo a rua com a placidez inicial.
Aquele olhar para a câmara, tão simplesmente denunciado, protege, não apenas este plano específico, com o velho capturado, mas todo o filme, de uma qualquer tendência para um voyeurismo caricatural que se pudesse estar a acumular. Está lá para nos tornar de repente conscientes que o olhar foi devolvido, que há um espelhamento reflexivo [indispensável ao documentário?]. E que ao cansaço que permeia todos aqueles corpos não escapa obviamente o do cinema, apenas um entre os demais.

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