Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Filmes

O que acontece quando se acolhe um filme? Como se cria a vontade de o ver? Como abrimos em nós, seres fechados, um lugar quase emocional para que ele o venha ocupar? Quero acreditar que são as intuições, espécies microscópicas de saber, que mais nos guiam. Mas não intuições isoladas de tudo, meros palpites, antes miríades de pontos, de indicações sedimentadas pela nossa experiência selectiva de espectadores, do apelo das imagens, da estória, etc.; também, porque não, duma atenção prestada a certas recomendações alheias, com as quais estabelecemos relações, mesmo que desviadas. No fundo, uma promiscuidade útil, feita de alguma desconfiança, e que constitui um agregado muito confuso que procuramos esclarecer, fazendo uma espécie de desenho de crença num filme.
Quando se nos oferecem demasiadas hipóteses, este trabalho é tão mais difícil. Por vezes, quase preferimos a escassez e aterroriza-nos a vida que teríamos numa outra cidade, como Paris, por exemplo, onde se pudesse ver quase tudo. É mais um problema de construir uma aproximação e de a preservar. Num festival como o IndieLisboa, que agora começa, a situação normal é a de não se conhecer quase nada e os filmes aparecerem todos ao mesmo nível, sem relevo. Qualquer indício se torna relevante.
Por pudor, faço questão que as “recomendações” que aparecem neste blogue, sob a forma de saliência dos filmes do mês ou pequenos textos a propósito de filmes por vir, digam apenas respeito ao local concreto onde vivo e sejam sempre sobre obras que já vi e que me tocaram. São regras que criamos para nos diferenciarmos, certamente, mas sobretudo para definir aquilo que procuramos fazer. Não costuma, portanto, haver aqui lugar para demasiadas expectativas sobre filmes vindouros. Por uma vez, nas circunstâncias especiais de um festival que começa a dar trabalho, podemos fazer o inverso. Ninguém nos levará a mal, sabendo que as razões de um para ver um filme são as de outros para o evitar. Apenas se pede que se entre na sala, simultaneamente, de olhos fechados e cabeça aberta.


Alguns dos filmes que, não sabendo, quero ver: Fantasma de Lisandro Alonso, ainda que não tenha visto os aparentemente necessários, para este, filmes anteriores deste realizador; Be my star/Mein stern de Valeska Grisebach, confesso que pelo hype (a realizadora estará presente?); sobe, adensa, esgarça, desce de Ana Eliseu e Mathilde Neves, por saber e também por ter ajudado; Eureka de Shinji Aoyama, porque a percentagem dos filmes longos que são maus é muito menor; The state I am in/Die Innere Sicherheit de Christian Petzold, sobretudo por isto, e ainda pela Julia Hummer mais pequenina e pelos Baader-Meinhof revisitados em Portugal; Hamaca Paraguaya de Paz Encina, por algumas indicações de que é uma (boa) “grande seca”; Windows on Monday/Montag kommen die Fenster de Ulrich Köhler, porque para variar gostei do trailer e já ouvi a estória em algum lado; Wolfsbergen de Nanouk Leopold, pelas intrigantes imagens e por uma entrevista que vi com a realizadora não me ter afastado; I don’t want to sleep alone de Tsai Ming-Liang, porque me neither; Syndromes and a century de Apichatpong Weerasethakul, não apenas pelo nome impronunciável do realizador.

(Não se aceitam reclamações.)


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