Humor ou ironia
«Humor inglês (?), humor judeu, humor estóico, humor zen, que curiosa linha quebrada. O ironista é sempre aquele que discute os princípios; está à procura de um primeiro princípio, ainda mais primeiro do que o primeiro; encontra uma causa ainda mais primeira do que as outras. Não cessa de subir, de remontar. É por isso que procede por questões, é o homem da entrevista, do diálogo, tem um certo tom, sempre do significante. O humor é precisamente o contrário: os princípios contam pouco, toma-se tudo à letra, logo se vê as consequências (é por isso que o humor não passa nos jogos de palavras, pelos trocadilhos, que são o significante, que são como um princípio no princípio). O humor é a arte das consequências ou dos efeitos: está bem, está tudo bem, dão-nos isto? Verão o que daqui faremos sair. O humor é traidor, é a traição. O humor é atonal, absolutamente imperceptível, faz uma coisa fugir. Está sempre no meio, no caminho. Não sobe nem remonta nunca, está à superfície: os efeitos de superfície, o humor é uma arte de acontecimentos puros. [...] Todo o destino da ironia está ligado à representação, a ironia assegura a individuação do representado ou a subjectivação do representante. [...] Não são os problemas do humor, que nunca cessou de desfazer os jogos dos princípios ou das causas em prol dos efeitos, os jogos da representação em prol do acontecimento, os jogos da individuação ou da subjectivação em prol das multiplicidades. Há na ironia uma pretensão insuportável: a de pertencer a uma raça superior, e de ser a propriedade dos mestres (um texto famoso de Renan di-lo sem ironia, dado que a ironia cessa depressa quando fala de si própria). O humor reclama-se, pelo contrário, de uma minoria, de um devir-minoritário [...]» Gilles Deleuze, Dialogues, Flammarion, Paris, 1977, pp. 82-84 |