Psiu!
dedicado ao Luís Miguel Correia e ao Luís Miguel Oliveira Por exemplo, neste divertido (digo eu) excerto de Francisca (1981) de Manoel de Oliveira, em que a personagem de Camilo (des)conversa com um amigo na ópera, o que nos dá a sensação do silêncio? Certamente que a brilhante utilização da música. Mas repare-se também como, para além da natureza relativamente pomposa do diálogo, nada parece definir melhor estas personagens do que o modo como se calam somente quando a música se exalta, porquanto permanecem em murmúrio audível quando ela está contida. Eis aqui em acção um humor muito fino... (A propósito de humor, esta cena comporta igualmente a típica languidão dos corpos nos filmes de Oliveira que Herman José outrora tão bem captou. Se é certo que daí se formou depois um cliché infeliz, não é menos certo que esse humor verdadeiramente funcionava, precisamente porque captava em profundidade uma expressão única que apenas se encontrava nos filmes de Oliveira e que era uma qualidade neles irredutível quanto a uma presença singular dos corpos, que tinha, entre outras coisas, que ver com a sua lentidão. Hoje, quando se refere a Oliveira, Herman José consegue apenas desdenhar, como se soubesse mais do que aquilo que é capaz de captar, e isso é apenas prova da sua enorme falência, mais do que a de Oliveira, certamente). Outro aspecto divertido deste excerto prende-se com a etologia da sala de espectáculos em geral. O comportamento em torno da exigência de silêncio e da não-perturbação, compreensivelmente necessários para a fruição estética, por exemplo no cinema, atinge por vezes foros de insanidade. Do outro lado da trincheira parece haver uma sobressaliência, uma consciência extrema e tomada de um prazer perverso, por parte dos que perturbam a percepção fechada, com sacos de plásticos crepitantes (homens), desdobrar infinito de rebuçados (mulheres) ou relógios que parasitam o nosso ouvido, ou ainda por aquelas pessoas que não sabem sussurrar, falando ao ouvido das outras como se estivessem ainda a uma enorme distância, etc. Mas o pior mesmo são afinal os que da perturbação se servem para policiarem os outros espectadores, fazendo da sua exigência de silêncio um espectáculo em si, agora da miséria comezinha e das patologias mentais à espreita. |