Por outro lado...
« Os historiadores do cinema registam como uma novidade desconcertante a sequência de Monika (1952), na qual a protagonista Harriet Andersson coloca subitamente o olhar fixo na objectiva por alguns segundos (“que pela primeira vez na história do cinema”, comentará retrospectivamente o realizador, Ingmar Bergman, “se estabelece um contacto despudorado e directo com o espectador”). Desde então, a pornografia tornou seguramente banal o procedimento: as pornostars, no próprio acto de desempenharem as suas carícias mais íntimas, olham agora decididamente a objectiva, mostrando interessar-se mais no espectador do que nos seus partners. » (cf. Agamben sobre a pornografia II)
No final do mesmo filme, também a maltratada personagem masculina, o parceiro de Monika, parece, de criança nos braços, visar igualmente o espectador, ou talvez, o infinito através do espectador, do outro lado do espelho. O procedimento de realização das duas cenas é, aliás, rigorosamente igual: reenquadramento, excluindo outras personagens do quadro (o amante de Monika e, aqui, o bebé), aproximando-se progressivamente (de forma mais demorada no caso de Monika) até ao grande plano, que escurece absolutamente em redor da face. Sem outras ocorrências no filme, este procedimento difere, na verdade, apenas devido à presença do espelho, que medeia o olhar e o estende ao infinito, e também, em especial, com a mistura de imagens das memórias do verão com Monika.
Tendo em conta o destino grandioso daquele outro, feminino, “contacto despudorado e directo com o espectador”, que destino poderíamos conceber para estoutro olhar masculino, tão magoado, que fita um infinito nublado de memórias através de um espelho?
[reparo agora, passado precisamente um ano, que os dias felizes (cf. Segunda e Terça-feira, Janeiro 10 e 11 ), pela mão de C., tinham já escrito sobre e publicado um frame do olhar de Monika, bem como citado Godard e o próprio Bergman sobre esse estranho olhar, em três bonitos posts.]
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