Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Humor involuntário

[Gilles Deleuze é o autor do texto «Post-scriptum sobre as sociedades de controlo»]

« Sobre o Fim do Deleuze Monument

O Deleuze Monument foi demolido por um grupo de moradores das torres de apartamentos Champfleury entre o dia 25 de Julho e o dia 28 de Julho de 2000. De facto reparei, durante uma visita que fiz a Avignon a 11 de Julho, que a experiência Deleuze Monument estava a chegar ao fim, ou seja, que os televisores e gravadores de vídeo já não se encontravam na “Biblioteca”, a qual não era limpa havia vários dias. Na verdade, o que aconteceu foi que, na primeira semana de Julho, um gravador de vídeo foi roubado por pessoas que não eram do bairro. A equipa de Champfleury decidiu retirar o material remanescente (quatro televisores e três gravadores de vídeo) e arrumá-lo na nossa sala especial. Sem os vídeos, a parte de biblioteca do Deleuze Monument perdeu, como é óbvio, o seu significado e não tardou a ser abandonada. (Não havia nada para guardar lá dentro.) A electricidade também já não era necessária na “Biblioteca”, que de noite, às escuras, ficava sem vida e pouco segura. Reparei nisso tarde de mais e a culpa foi minha, porque não fiquei em Avignon. Há certas coisas que eu gostava de dizer claramente tanto as pessoas mal informadas como às bem-intencionadas, ou àquelas que se interessam pelo êxito e pelo fracasso: a duração de uma experiência como o Deleuze Monument depende de diversos factores mas sobretudo faz parte da realidade da obra de arte. Dependendo, por conseguinte, das opções de uma ou varias pessoas, eis a razão pela qual a obra é tão precária! Os factores são a vida do bairro, o envolvimento da população e a sua aceitação do projecto, a preparação e o acompanhamento pelo artista e os meios postos à disposição deste. Acredito que é a soma desses factores que determina a longevidade de um projecto como o Deleuze Monument, além da decisão do artista de pôr fim ao projecto. No que me diz respeito, devo dizer que a preparação, apesar das dificuldades encontradas pela missão em Avignon em 2000, correu bem. Os encontros com os habitantes foram autênticos. Organizar o Deleuze Monument foi uma experiência densa, forte, e creio que uma experiência artística extremamente intensa, no limite daquilo de que sou capaz. Trouxe-me perguntas, dúvidas, mas também confiança e combatividade. E tudo isso se viu durante os três primeiros dias do Deleuze Monument. O que eu subestimei, porém, desde o início, foi a fase de acompanhamento (afinal a mais importante) da exposição do Deleuze Monument. Não ia lá com a frequência necessária (uma visita por semana não é de facto suficiente). Também subestimei o cansaço, a quantidade de trabalho e a importância da “permanência”, “vigilância” ou “protecção” que este tipo de proposta exige. No próximo monumento não posso deixar de considerar essas coisas no início, incluindo-as desde logo no orçamento. Não lhes dei a devida (ou suficiente) atenção no Deleuze Monument. Por falta de dinheiro, tive de inventar um “sistema de presenças” no monumento ou em seu redor, o que era uma incoerência, para a tarefa, que teve de ser executada por um grupo de habitantes. Eles foram mais lúcidos nesse aspecto desde o princípio e sempre me disseram que o dinheiro não ia chegar para aquilo a que chamavam “segurança”. Não gosto do termo, mas era adequado em Champfleury. Tentei, à última hora, arranjar dinheiro para prolongar o trabalho em que as pessoas começavam a estar cada vez mais interessadas, mas esse interesse não se traduziu em actos, o que significa que as verbas necessárias para pagar melhor aos “guardas”, que eram habitantes e não vigilantes, nunca foram libertadas. Terei de pensar mais seriamente nesse tipo de realidade desde o principio, num futuro projecto com as mesmas dimensões e o mesmo alcance. E finalmente eu, o artista, tenho de me preparar para estar sempre lá, enquanto a exposição durar.

Thomas Hirschhorn, finais de 2000

Tradução de Sofia Gomes a partir da versão inglesa de Emmelene Landon do original francês »

[Thomas Hirschhorn é o autor da exposição «Anschool II» de Serralves, de cuja "brochura gratuita parte integrante da exposição" se retirou este texto]

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