Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #123 (António Guerreiro)

Sobre a complicada relação do jornalismo com a universidade, na época da comunicação e do divertimento

Numa densa e interessante entrevista ao “Público” (Sábado, 8/1), Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, afirma: “A comunicação social não procura as pessoas que têm know-how sobre os diferentes assuntos, e essas pessoas também não se deixam procurar.” É necessário refletir sobre os efeitos nefastos desta situação. O imperativo de divertir e o privilégio concedido aos animadores do gosto e da opinião fazem com que os intelectuais, escritores e universitários convidados pelos media sejam quase sempre os que aceitam fazer o jogo, falar de tudo (o tuttologo, como dizem os italianos, ou os panelists — os membros de um painel —, como dizem os americanos) e participar da reconstituição espetacular da função-Autor, isto é, na fabricação de uma ‘vedeta’ que passa a traficar o seu nome próprio como o único capital simbólico que detém. Falando sobre a televisão, o sociólogo Pierre Bourdieu citou um ditado inglês para traduzir este estado de coisas: “The less you know, the better off you are.”

O resultado é que, em vez das formas de racionalização da sociedade e socialização da cultura em que jornalismo e universidade desempenhavam funções complementares e solidárias, temos hoje um campo jornalístico encerrado nas suas regras comunicativas que abandonaram toda a ambição de universalidade própria das atividades intelectuais, enquanto a elite universitária se tornou um grupo social que se ocupa sobretudo de si próprio e tende a perder o seu papel orientador para o conjunto da sociedade. Assim, o jornalismo rompeu os vínculos com o saber e a tradição cultural que estão na base da opinião pública moderna, remetendo a universidade (que, por sua vez, se instala nesse papel, afirma Pedro Magalhães) para o território fechado das classes especializadas.

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 15.1.2011.

Sem comentários:


Arquivo / Archive