Uma amiga interrompe a minha manhã de ressaca para me dizer que não consegue aceder a um dos vídeos que coloquei no Youtube. Acordo então para a notícia de que a minha conta foi “eliminada com carácter definitivo”. Tinha-a há bastante tempo para colocar os excertos de filmes que achava significativos, principalmente para depois os plantar neste blogue, acompanhando um texto ou assim. Não me interessava tanto o Youtube como armazém de vídeos e curiosidades, mas sim a possibilidade prática de aqui os inserir, fazendo conjugações várias com o texto e mostrando apenas o que achava relevante, exercitando a escolha. Foi assim que aprendi que, parafraseando Godard, a única questão verdadeiramente fundamental da cinefilia é a de onde e quando começar um excerto e onde o acabar. Claro que esta prática pode ser considerada pirataria, e é portanto legítimo, ou melhor, legal, que apaguem a conta e os vídeos que lá estavam. Mas, do meu ponto de vista, esta actividade era inofensiva do ponto de vista comercial, pois não se substituia às obras e sempre recusei os pedidos para colocá-las no Youtube por inteiro. Infelizmente nunca consegui plantá-las apenas no blogue. Os excertos tinham que ficar públicos no Youtube para poderem ser aqui inseridos. Mesmo assim, para mim eram uma espécie de fair use, como os samples no rap ou as citações das obras literárias. Agora certos textos publicados deixarão de fazer sentido, pois foram escritos na base da presença dos excertos ao lado. Isto tem tudo que ver com o problema da descrição de que me tentei aproximar aqui. Parece que o Youtube apaga as contas ao fim de algumas reclamações de “third parties”, ou seja, de detentores dos direitos sobre as obras cinematográficas ou algo de semelhante. A piada neste caso está em que não foram grandes distribuidoras de filmes muito conhecidos a queixarem-se, antes pelo contrário. Foram antes pequenas editoras, pelos visto mais que ciosas dos seus legítimos direitos autorais e pouco complacentes com o uso que deles podia ser feito e de eventuais vantagens na divulgação dessas obras assim. | A primeira queixa dizia respeito a um excerto de um filme de Pelechian, MENK/NÓS, cujas obras tinham sido editadas em DVD em Portugal. Usei esse excerto num post chamado «O que é um povo?» para o comparar com a utilização dessas mesmas imagens por Godard em LES ENFANTS JOUENT À LA RUSSIE. Era uma comparação que falava por si, extremamente elucidativa do brilhante método godardiano de maquinação rítmica baseada nos manípulos do vídeo analógico.
A segunda queixa foi feita pela Zipporah Films, Inc., a produtora de Frederick Wiseman, devido à utilização recente de LAW AND ORDER. Neste caso, a par do excerto, citava uma entrevista em que Wiseman descrevia a situação em que esteve mais próximo de parar de filmar devido ao que se estava a passar em frente à câmara. Este mesmo excerto foi apresentado pelo próprio Wiseman na sua masterclass do DocLisboa, embora com um corte diferente.
A terceira queixa, e provavelmente a decisiva, veio da Milestone Film & Video, a propósito da utilização de um excerto de THE EXILES de Kent MacKenzie. Neste caso não tinha escrito ainda nada sobre o filme e coloquei o meu excerto preferido do filme apenas com a intenção de divulgar a sua projecção recente na Cinemateca.
O pior de tudo foi perder os excertos já construídos, por exemplo a partir de fontes VHS, e ainda não tornados públicos, que estavam à espera de inspiração textual ou de uma projecção pública que os justificasse. Um dos paradoxos destas pequenas ilegalidades, tantas vezes inerentes aos próprios novos media, é que ao mesmo tempo que este tipo de uso não comercial é combatido por estas pequenas distribuidoras, é possível encontrar todos estes filmes, completos e muitas vezes em formato de DVD, em ficheiros torrent fora do Youtube. É pena apenas que tenha deixado de os poder partilhar com vocês.
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