Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Meros filmes em Dezembro


Viagem ao princípio do mundo
Manoel de Oliveira
1997, 95’
3ª, dia 2, 19h30 Cinemateca*, Lisboa


Gentlemen prefer blondes
Howard Hawks
1953, 90’
5ª, dia 11, 15h30 Cinemateca


Il gattopardo
Luchino Visconti

1963, 185’
Sáb, dia 13, 21h30 – Cinemateca

Rear window
Alfred Hitchcock
1954, 102’
6ª, dia 19, 15h30 – Cinemateca

[apenas filmes vistos, sem repetições]

Ao pé da letra #26 (António Guerreiro)

«A “novilíngua” de Orwell é um idioma não extinto

Quem leu a notícia de que “o trânsito nas estradas sofreu uma degradação” terá ficado a saber não que aumentaram os engarrafamentos, mas que diminuiu o volume de tráfego; e, no mesmo dia, quem leu num jornal francês que “o comércio natalício está menos agressivo do que no ano passado” percebeu que a notícia se destinava a deplorar a insuportável doçura dos Campos Elíseos em tempo de crise. A degradação do trânsito é o circular melhor; a agressividade é uma benevolência.

O que isto faz lembrar? A “novilíngua” (o “newspeak”), a língua da Oceania no livro de Orwell 1984. Com o objectivo de tornar impossível qualquer outro modo de pensamento, o Partido tinha chegado a três “slogans” perfeitos, formulados na sua língua oficial: “A guerra é a paz”, “A liberdade é a escravatura”, “A ignorância é a força”. Tendo em conta a grande lição de Orwell, pior do que não termos dinheiro para circular é sermos submetidos a uma inversão do sentido das palavras. Aí começa a mais infame e mais perigosa das espoliações. E se quisermos falar de “alienação”, uma palavra caída em desuso, temos de nos referir à operação política de expropriação da linguagem.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 29.11.2008.


«Nunca se deve vestir as melhores calças para sair a combater pela liberdade e pela verdade», diz uma personagem de uma peça de Ibsen. Logo, as pessoas que se vestem bem demais...


«One should never put the best trousers if one goes out to fight for liberty and truth», says a character of a play by Ibsen. So, people who dress too well...


What is the word
Samuel Beckett

folly –
folly for to –
for to –
what is the word –
folly from this –
all this –
folly from all this –
given –
folly given all this –
seeing –
folly seeing all this –
this –
what is the word –
this this –
this this here –
all this this here –
folly given all this –
seeing –
folly seeing all this this here –
for to –
what is the word –
see –
glimpse –
seem to glimpse –
need to seem to glimpse –
folly for to need to seem to glimpse -
what –
what is the word –





and where –
folly for to need to seem to glimpse what where –
where –
what is the word –
there –
over there –
away over there –
afar –
afar away over there –
afaint –
afaint afar away over there what –
what –
what is the word –
seeing all this –
all this this –
all this this here –
folly for to see what –
glimpse –
seem to glimpse –
need to seem to glimpse –
afaint afar away over there what –
folly for to need to seem to glimpse afaint afar away over there what –
what –
what is the word –

what is the word

[«My work is a matter of fundamental sounds (no joke intended) made as fully as possible, and I accept responsibility for nothing else. If people want to have headaches among the overtones, let them. And provide their own aspirin.»]

Ao pé da letra #25 (António Guerreiro)

«A avaliação tornou-se uma sofisticada ideologia

Os professores contestam o modelo de avaliação; o ministro português das Finanças foi avaliado pelo “Financial Times” como o pior ministro europeu das Finanças; a universidade espanhola ficou em último lugar numa avaliação das universidades de 17 países desenvolvidos. Eis, num só dia desta semana, três notícias sobre avaliação. Escolas, ministros, funcionários públicos ou privados: todos estamos sujeitos a este regime generalizado de avaliação, compreensível à luz do que Deleuze designou como “sociedade de controle”.

A avaliação usa um aparelho sofisticado de medições, regras e tabelas para se munir de caução científica e denegar a sua dimensão ideológica. E, ao ser denegada, a ideologia emerge como sintoma violento. O linguista, filósofo e psicanalista francês Jean-Claude Milner escreveu sobre esta questão um livro interessante: “Voulez-vous Être Évalué?”. Que diz ele? Que os avaliadores são os sofistas do nosso tempo; que a sofística da avaliação resolve sumariamente as questões dos critérios e da legitimidade dos avaliadores; e que o regime evita acima de tudo que se coloque a pergunta: quem avalia os avaliadores?»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 22.11.2008.

Ao pé da letra #24 (António Guerreiro)

«Para a Fnac, literatura é sinónimo de sector livreiro

Quem, como eu, acha que a crítica literária é uma coisa do passado, não pode deixar de ver uma confirmação das suas convicções num convite da Fnac Vasco da Gama, dirigido a “António Guerreiro – Literatura/sector livreiro – Expresso”. Esta maneira de formular o endereço vale por um ensaio. Pode ser que os sábios da Fnac, altamente especializados, não conheçam outra linguagem; também pode ser que, na tribo de que fazem partem, “sector livreiro” seja a “palavra maná”, o “significante-mestre” estudado pelos antropólogos;

mas um céptico como eu vê aqui a prova de uma justiça imanente: o “sector livreiro” é o nosso destino, e ele cumpre-se hoje quase da mesma maneira quando escrevemos sobre livros nos jornais ou quando os doutos da Fnac os seleccionam e os arrumam nos escaparates segundo os princípios da sua ciência. Não tenhamos dúvidas: na evolução do “sector livreiro” da Fnac, nas rearrumações sucessivas, podemos ver um trabalho crítico impiedoso, quase de extermínio. Não é que, enquanto empresa, não tenha o direito de o fazer; mas por uma questão de “bienséance” convinha que não visse em todos os que se dedicam aos livros trabalhadores do mesmo ramo.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 15.11.2008.

Sobre o involuntarismo de esquerda (André Dias)

Com a 11ª das suas Teses sobre Feuerbach – «Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo» –, Marx produziu a fórmula infinitamente glosada do voluntarismo de esquerda, que sobrevive ainda nas mais heterodoxas reformulações do marxismo. O lugar comum “transformar a realidade é possível” é o enunciado elucidativo deste programa voluntarista, na medida em que nele se denuncia a predeterminação da acção como plano ou em função de uma meta. Foi o malogrado François Zourabichvili, naquele que é porventura o mais brilhante ensaio sobre a filosofia de Gilles Deleuze, que entreviu a força inaudita do involuntarismo político de esquerda. Este assenta numa profunda e persistente divergência sobre o esquema de actualização, em que o possível, cuja realização se toma como esgotada, tem de ser concebido diferentemente como algo a criar.
É nalgumas das melhores expressões cinematográficas do pensamento que encontramos esta impossibilidade de antecipação. Desde a matricial obra de Samuel Fuller, no cruzamento histórico do seu aparente reaccionarismo político com a apreensão formal pela cinefilia, passando pelo revolucionário traidor em fuga de TERRA EM TRANSE de Glauber Rocha, à cegueira ideológica sobre a expressão inédita da pobreza na TRILOGY de Bill Douglas ou ao “Homem da enxada” não integrável politicamente em TORRE BELA, e culminando nas novas figuras políticas criadas por Pedro Costa, o cinema, para quem quis ver, esteve sempre perto das limitações do voluntarismo de esquerda.

Conferência Internacional Karl Marx

Sáb, dia 15, 16h30
Painel 21: Representando a Emancipação: o Comunismo nas Artes
com Luís Trindade Representar o comunismo e José Filipe Costa O cinema do fazer acontecer

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Auditório 2, 3º andar, Torre nova
Avenida de Berna 26 C, Lisboa

Aforismo demasiado longo derivado da tentativa infrutífera de ficar até ao fim num filme insuportável

Para fazer cinema, aprender-se-á certamente mais a analisar em detalhe um filme mal feito do que um bom filme. A mediocridade é neutra e serve a todos. Já os gestos cinematográficos conseguidos, que são heterogéneos uns aos outros, servem integralmente a apenas um, ao seu autor.
Os jovens que pretendam fervorosamente ser realizadores, depois de esclarecida a sua vocação e antes de ganho o estilo próprio, portanto, durante esse longo intervalo de tempo que para muitos nunca termina, devem abster-se e manter uma dieta estrita de filmes mal feitos vistos atentamente.

Advertência (Giorgio Agamben)

«Quem tenha familiaridade com a prática da investigação em ciências humanas sabe que, contrariamente à opinião comum, a reflexão sobre o método muitas vezes não precede, antes sucede a tal prática. Trata-se assim de pensamentos de algum modo últimos ou penúltimos, para discutir entre amigos e especialistas, e que só um longo hábito de investigação pode legitimar.
Os três estudos aqui reunidos contém as reflexões do autor sobre três problemas específicos de método: o conceito de paradigma, a teoria das assinaturas [segnature] e a relação entre história e arqueologia. Se estas reflexões se apresentam a cada vez como uma indagação sobre o método de um estudioso, Michel Foucault, sobre o qual o autor teve ocasião
nos últimos anos de muito aprender, isto é porque um dos princípios metodológicos não discutidos no livro que o autor deve a Walter Benjamin – é que a doutrina pode ser exposta legitimamente apenas sob a forma da interpretação. O leitor atento saberá fazer a destrinça entre o que, nos três estudos, deve ser remetido a Foucault, o que deve ser tomado em conta do autor e aquilo que vale para ambos. Contrariamente à opinião comum, de facto o método partilha com a lógica a impossibilidade de ser completamente separado do contexto no qual opera. Não existe um método válido para todos os âmbitos, tal como não existe uma lógica que possa prescindir dos seus objectos.
Segundo um outro princípio metodológico também este não discutido no livro de que o autor faz uso frequente, o elemento genuinamente filosófico em cada obra, seja uma obra de arte, de ciência ou de pensamento, é a sua capacidade de ser desenvolvida, que Feuerbach definia como Entwicklungsfähigkeit. Precisamente quando se segue um tal princípio, a diferença entre o que é devido ao autor da obra e o que é atribuído àquele que a interpreta e desenvolve torna-se tão essencial quanto difícil de aferir. O autor preferiu por isso arriscar atribuir a textos doutros o que vinha elaborando a partir deles, em vez de correr o risco inverso e apropriar-se de pensamentos ou percursos de investigação que não lhe pertenciam.
De resto, toda a investigação em ciências humanas
e portanto também a presente reflexão sobre o método deveria implicar uma cautela arqueológica, ou seja, regredir no próprio percurso até ao ponto em que algo permaneceu obscuro e não tematizado. Só um pensamento que não esconde o próprio não-dito, mas incessantemente o retoma e o desdobra pode, eventualmente, ter pretensão à originalidade.»

Giorgio Agamben, «Avvertenza», Signatura rerum. Sul metodo,
Bollati Boringhieri, Torino
, 2008, pp. 7-8.

Ao pé da letra #23 (António Guerreiro)

«Proteger os livros dos seus autores é, às vezes, urgente

Há um “book trailer” do último romance de António Lobo Antunes que é doloroso de se ver. O escritor, carregando todo o peso do mundo e torcendo-se sobre si, fala com voz lutuosa e diz: “Ninguém escreve como eu.” E daí passa a uma arte poética: “encher os livros de silêncio”; “os livros tratam todos de uma paisagem interior”; “a angústia do homem no tempo”; “a procura da natureza do homem”. Estes derrames de uma banalidade tão excessiva e tão enfática não podem, seguramente, ser interpretados em primeiro grau.

Ou o escritor representa diante de nós uma comédia ou há algo de indecifrável. Mas em nenhum caso aquele que fala assim sobre os seus livros pode ser o mesmo que os escreveu. Mas como esta dissociação é difícil de fazer, como é difícil evitar a contaminação recíproca dos dois planos, A. Lobo Antunes devia ser protegido de si mesmo, devia-se erguer um cordão sanitário entre o seu discurso público e a sua obra, entre os seus livros e o que diz sobre eles. Eu, que tenho sempre grandes hesitações quando leio os seus romances, e quando os acho maus não consigo deixar de pensar que talvez não os tenha sabido ler, gostaria de remover o obstáculo do “book trailer”.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 8.11.2008.

Honras

Um cineasta ser convidado para uma bienal de arte contemporânea é mais ou menos o mesmo que ser homenageado na presença de ministros. O que parece uma honra, na verdade não é.

Meros filmes em Novembro


Masterclass
Harun Farocki
com projecção de Respite
Curso de Videoarte
3ª, dia 4, 18h30 Aud. 3, Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa
[cf. «Aos leitores de Etty Hellisum*»
e
a pequena entrevista
«A interferência de Petzold-Farocki
*»]


Os canibais
Manoel de Oliveira
1988, 84’
4ª, dia 5, 19h
Cinemateca*, Lisboa

Necrology
Standish Lawder

1971, 11’
Cinematografia-coreografia
(prog. Pierre-Marie Goulet e
Teresa Garcia
com Ricardo Matos Cabo, Stéfani de
Loppinot e Cyril Neyrat)
Festival Temps d'images

5ª, dia 6, 19h30 – Cinemateca
com a presença de Cyril Béghin e Cyril Neyrat
[cf. «Necrologia*»]


Jean-Daniel Pollet
Le Horla
1966, 38’
Cinematografia-coreografia
5ª, dia 6, 22h – Cinemateca
com a presença de Alberto Seixas Santos,
Cyril Neyrat e Cyril Béghin


Iko shashvi mgalobeli / Era
uma vez um melro cantor
Ottar Iosseliani
1971, 93’
Cinematografia-coreografia
6ª, dia 7, 22h – Cinemateca
com a presença de Margarida Gil
[a obra-prima de Iosseliani,
um filme belíssimo a não perder]


Verj / Fim
1993, 10’
Kyanq / Vida
1994, 7’
Artavazd Pelechian
Cinematografia-coreografia
Sáb, dia 8, 15h30
Cinemateca
com a presença de Cyril Neyrat
e Maria Andresen


Mediterranée
Jean-Daniel Pollet
1963, 45’
Cinematografia-coreografia
Sáb, dia 8, 15h30 Cinemateca

Strategia del ragno
Bernardo Bertolucci
1970, 100’
Festival de Cinema do Estoril*
6ª, dia 14, 21h45 – Casino do Estoril

Le Stade de Wimbledon
Mathieu Amalric
2001, 80’
Festival de Cinema do Estoril
Dom, dia 16, 12h
Centro de Congressos, Estoril
com a presença de Mathieu Amalric


They live
John Carpenter
1988, 93’
2ª, dia 17, 19h Cinemateca
[cf. «Ironia ou ambiguidade*»]

Le papier ne peut pas
envelopper la braise

Rithy Panh

2006, 90’
3ª, dia 18, 21h30 Cinemateca
[cf. «Se o papel não pode...*»]

The desert people
David Lamelas

1974, 50’
David Lamelas* (prog. Jacqueline Holt,
sugerido por Ricardo Matos Cabo)
4ª, dia 19, 21h30
Culturgest, Peq. Aud., Lisboa

Tulpan
Sergei Dvortsevoy
2008, 100’
Festival de Cinema do Estoril*
5ª, dia 20, 17h – Casino do Estoril

The river
Jean Renoir

1951, 99’
Sáb, dia 22, 21h30 Cinemateca
[cf. «(o encantamento começa
e acaba no bosque)
*»]

[apenas filmes vistos, sem repetições]


Un día podía venir un día de viento, los membrillos se caen y se acabó... Antonio López, o pintor (e co-produtor) do filme EL SOL DEL MEMBRILLO de Victor Erice, numa fabulosa entrevista publicada nas Letras de cine.

Se habla de cine desde una perspectiva que nunca excluye cierta dimensión ética y, al discutir una película, se trata de esclarecer la posición del realizador frente a su obra. En cambio, es raro que en esas discusiones se elogie la actuación, la fotografía o el argumento, la típica conversación que identifica a los asnos cinematográficos en los festivales... Quintín, com a franqueza do costume, no excelente La lectora provisoria.

Ao pé da letra #22 (António Guerreiro)

«Sobre nadadores de terra firme e metáforas absolutas

Na versão de Durão Barroso, o “nous sommes embarqués”, de Pascal, declina-se assim: “Ou nadamos todos juntos, ou vamos todos ao fundo.” Passemos ao lado do pequeno desvio que ele imprime à metáfora náutica; mantém-se, ainda assim, o sentido existencial da metáfora do naufrágio. Trata-se de uma metáfora a que o filósofo alemão Hans Blumenberg chamou “metáfora absoluta”. As metáforas absolutas são, segundo Blumenberg, formas de pensamento que não podem ser redutíveis a conceitos, remetem para uma representação da realidade, para um pensamento, que não pode ser dito e reelaborado senão metaforicamente.


O expediente retórico de Durão Barroso é uma operação manhosa, e ilegítima: porque introduz a metáfora absoluta, que por definição exprime orientações que não podem ser desmontadas e regula o nosso juízo sobre as coisas, num campo que tem de estar sujeito à discussão e à crítica. Durão Barroso serve-se da metáfora absoluta para nos tornar a todos reféns de um pensamento que supõe uma Ordem do mundo e uma Certeza sobre ela. Eis em acção os mecanismos do pensamento totalitário em que estamos todos embarcados.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 1.11.2008.



Bye bye Youtube

Uma amiga interrompe a minha manhã de ressaca para me dizer que não consegue aceder a um dos vídeos que coloquei no Youtube. Acordo então para a notícia de que a minha conta foi “eliminada com carácter definitivo”. Tinha-a há bastante tempo para colocar os excertos de filmes que achava significativos, principalmente para depois os plantar neste blogue, acompanhando um texto ou assim. Não me interessava tanto o Youtube como armazém de vídeos e curiosidades, mas sim a possibilidade prática de aqui os inserir, fazendo conjugações várias com o texto e mostrando apenas o que achava relevante, exercitando a escolha. Foi assim que aprendi que, parafraseando Godard, a única questão verdadeiramente fundamental da cinefilia é a de onde e quando começar um excerto e onde o acabar.
Claro que esta prática pode ser considerada pirataria, e é portanto legítimo, ou melhor, legal, que apaguem a conta e os vídeos que lá estavam. Mas, do meu ponto de vista, esta actividade era inofensiva do ponto de vista comercial, pois não se substituia às obras e sempre recusei os pedidos para colocá-las no Youtube por inteiro. Infelizmente nunca consegui plantá-las apenas no blogue. Os excertos tinham que ficar públicos no Youtube para poderem ser aqui inseridos. Mesmo assim, para mim eram uma espécie de fair use, como os samples no rap ou as citações das obras literárias. Agora certos textos publicados deixarão de fazer sentido, pois foram escritos na base da presença dos excertos ao lado. Isto tem tudo que ver com o problema da descrição de que me tentei aproximar aqui.
Parece que o Youtube apaga as contas ao fim de algumas reclamações de “third parties”, ou seja, de detentores dos direitos sobre as obras cinematográficas ou algo de semelhante. A piada neste caso está em que não foram grandes distribuidoras de filmes muito conhecidos a queixarem-se, antes pelo contrário. Foram antes pequenas editoras, pelos visto mais que ciosas dos seus legítimos direitos autorais e pouco complacentes com o uso que deles podia ser feito e de eventuais vantagens na divulgação dessas obras assim.
A primeira queixa dizia respeito a um excerto de um filme de Pelechian, MENK/NÓS, cujas obras tinham sido editadas em DVD em Portugal. Usei esse excerto num post chamado «O que é um povo?» para o comparar com a utilização dessas mesmas imagens por Godard em LES ENFANTS JOUENT À LA RUSSIE. Era uma comparação que falava por si, extremamente elucidativa do brilhante método godardiano de maquinação rítmica baseada nos manípulos do vídeo analógico.

A segunda queixa foi feita pela Zipporah Films, Inc., a produtora de Frederick Wiseman, devido à utilização recente de LAW AND ORDER. Neste caso, a par do excerto, citava uma entrevista em que Wiseman descrevia a situação em que esteve mais próximo de parar de filmar devido ao que se estava a passar em frente à câmara. Este mesmo excerto foi apresentado pelo próprio Wiseman na sua masterclass do DocLisboa, embora com um corte diferente.

A terceira queixa, e provavelmente a decisiva, veio da Milestone Film & Video, a propósito da utilização de um excerto de THE EXILES de Kent MacKenzie. Neste caso não tinha escrito ainda nada sobre o filme e coloquei o meu excerto preferido do filme apenas com a intenção de divulgar a sua projecção recente na Cinemateca.

O pior de tudo foi perder os excertos já construídos, por exemplo a partir de fontes VHS, e ainda não tornados públicos, que estavam à espera de inspiração textual ou de uma projecção pública que os justificasse.
Um dos paradoxos destas pequenas ilegalidades, tantas vezes inerentes aos próprios novos media, é que ao mesmo tempo que este tipo de uso não comercial é combatido por estas pequenas distribuidoras, é possível encontrar todos estes filmes, completos e muitas vezes em formato de DVD, em ficheiros torrent fora do Youtube. É pena apenas que tenha deixado de os poder partilhar com vocês.


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