Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

A dissecação da magia (cont. IndieLisboa 2008: #13)

Ao ver um filme somos várias vezes atingidos por “ideias” lançadas da tela na nossa direcção. Felizmente, por filme, e apesar de nos comoverem inconscientemente, apenas uma muito pequena parte chega a instalar-se decisiva e insistentemente, fazendo alarde, na nossa cabeça. Digo isto porque creio que é relativamente normal um espectador, para além de ir acompanhando a narrativa e a par de alguma, mas não muita, atenção aos pormenores formais, dedicar-se à elaboração vaga de algumas reflexões em paralelo, a que se viu obrigado. Sejam no fim de contas mais ou menos voluntárias, ou dedicadas a esclarecer a relativa obscuridade do filme, pouco interessa. Só pode haver um objecto meritório desse incómodo. A única coisa que interessa num filme é a sua magia.
Não vou tentar definir o que constitui essa magia. Existem outros termos possíveis para essa definição do que constitui o centro vivo de um filme. E não apenas porque seria particularmente difícil, e quase equivaleria à colocação perante cada um dos filmes vivos. Mas também, e sobretudo, porque se trata de um trabalho para ir fazendo aos poucos, defronte de cada filme, escrevendo ou fazendo outros filmes, etc., na sua continuação, com a sua herança, mas sem dependências excessivas.
Escrever um texto sobre um filme, sobre cinema, pode apenas ter como alcance a dissecação dessa magia. Insisto no termo “dissecação”, pese embora o seu sentido mórbido, porque impõe o lado de que se tem que situar o texto, que é o lado do filme. É a ele que deve uma particular e feliz obediência. Todos os seus eventuais méritos literários ou filosóficos estarão muito bem, mas de nada servirão se não contiverem o filme ou, pelo menos, a tentativa de expressão da sua magia. E os textos podem certamente ser redigidos de muitas formas diferentes, e todas elas funcionar (embora seja um fenómeno relativamente raro). Mas, se não afrontarem esta magia, se não a reconhecerem, se a não escolherem como objecto, se não tentarem a sua decifração ou prolongamento, é como se pertencessem a outro reino, a outra dimensão, bem mais prosaica, isenta de deslumbres e alcances, isenta do mundo que o filme nos ofereceu, em suma. Serão também meritórias à sua maneira, cumprindo as várias funções sociais que escrever um texto obedece simultaneamente. Mas o cinema ficou assim como que de fora. Obviamente, para estas contas não podem contar os filmes isentos de magia, que tornam a tarefa do dissecador quase impossível. Portanto, vejam bem a enormidade do que fica de fora. Não resta quase nada.

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