Ao pé da letra #213 (António Guerreiro): A república universal das Letras
Tendo-se tornado raríssima — e quase exclusivamente por conta de editoras universitárias — a edição de livros de crítica literária, surpreende, à primeira vista, que a Quetzal edite um livro de um crítico inglês, James Wood, que vive na América e escreve para publicações como “The New Yorker” e “The New York Review of Books”. Bons motivos de regozijo se ofereceriam em tal iniciativa se ela não fosse um sintoma eloquente do estado miserável — disfarçado de cosmopolitismo — da república das letras. Traduzir este livro — “A Herança Perdida” — e editá-lo baseia-se no pressuposto de que há um público afastado dos meandros eruditos e especializados da crítica literária (a capa, com as letras do título em relevo, é o primeiro índice indiscreto da vontade de popularização) interessado em bibliografia secundária sobre autores americanos e ingleses modernos e contemporâneos (V. Woolf, T. S. Eliot, Don DeLillo, John Updike, Philip Roth, Julian Barnes e outros), na condição de o autor ser alguém que “conseguiu transformar a crítica literária num assunto pop sem ceder em nada à facilidade” (assim é apresentado James Wood na badana). | Entretanto, o último volume da obra completa de Eduardo Prado Coelho, que compreende “A Mecânica dos Fluídos” e “A Noite do Mundo“ (editado pela Imprensa Nacional), nem sequer chega às livrarias. Em todos os seus cálculos e operações, a “vida literária” supõe que o que interessa é uma nova ideia de literatura universal — dominada por uma ficção de lugar nenhum — que atravessa fronteiras mal é publicada, quase sem precisar de ser traduzida, e que chegou ao fim toda a herança da “literatura nacional”. Em suma: aquilo que faz com que um João Tordo e um José Luís Peixoto sejam internacionalmente premiáveis, enquanto uma Agustina e uma Maria Velho da Costa nunca conseguiram sair, mesmo quando traduzidas, do seu lugar minoritário. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 13.10.2012. |
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