Ainda não começámos a pensar
We have yet to start thinking
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Ao pé da letra #92 (António Guerreiro)
Sobre um espírito islandês comediante e filosófico | |
«Um jornalista do Le Monde retido na Islândia por causa das cinzas do vulcão, aproveitou para fazer uma reportagem sobre a reacção dos islandeses ao que se estava a passar. E estes, ao contrário do resto do mundo, mostravam-se bem dispostos, irónicos, e às vezes eufóricos. Um deles manifestava assim o seu gozo: “Tenho vindo a implorar, o mais perto possível da cratera, para o vulcão acalmar. Mas ele não responde aos meus apelos e continua a lançar cinzas. A última vez que tínhamos disseminado matéria tóxica sobre a Europa eram os nossos produtos financeiros.” Este islandês parece ter aprendido com Marx que tudo o que é sólido se dissolve no ar. | Mas também leu em Heidegger que a Técnica é o nosso Destino: daí a ironia e o orgulho com que exibia o facto de pertencer à terra de onde emergiu, de repente, algo que não é calculável nem manipulável e provocou uma espécie de mobilização planetária. Outro islandês dava um exemplo de pragmatismo: “Se pudéssemos aproveitar a energia que o vulcão liberta, saíamos rapidamente da bancarrota”. Este é o islandês que dá razão a Spengler: “Não podemos olhar uma cascata sem a transformar mentalmente em energia eléctrica”.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 24.4.2010. |
Ao pé da letra #91 (António Guerreiro)
Sobre a tradução que não conhece mediação crítica | |
«Também por cá vamos tendo as traduções simultâneas e entrando nos percursos do internacionalismo literário. Estes livros, quase sempre de ficção, chegam a outras línguas quase ao mesmo tempo em que é editado o original, configuram um tráfico – sintoma de uma perda de afirmação das literaturas nacionais – que destrói o sentido que tinha a troca intercultural da tradução, ao qual se referia Goethe com o seu conceito de Weltliteratur, de literatura mundial. A tradução como operação histórica plena de sentido, linguística e culturalmente, tal como foi teorizada pelo Romantismo, significava uma operação duplamente crítica: porque se exercia no pressuposto da intraduzibilidade de um texto; porque implicava uma forte mediação crítica nessa tarefa de apropriação. | Nestas traduções simultâneas, abdica-se de qualquer gesto crítico: os livros são negociados e atravessam fronteiras, antes de serem lidos, para entrar no mercado mundial dos conteúdos, e contam depois, em todo o circuito, com um passaporte diplomático que lhes dá direito a benefeciarem desta regra, outrora formulada por Guy Debord: “Tudo o que aparece é bom, e tudo o que é bom aparece”.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 17.4.2010. |
Instância, exemplo e caso (Agustin Zarzosa)
Traduzo aqui, com amável autorização do autor, um texto — daquela que foi, a meu ver, a mais brilhante apresentação da primeira Film-Philosophy Conference, em Bristol, 2008 — que me parece fundamental para começar a compreender as relações entre cinema e filosofia. | |
Em A Metafísica da Moral, Immanuel Kant distingue uma instância de um exemplo. Uma instância, explica, é um particular contido sob um universal; um exemplo, por outro lado, é um caso particular de uma regra prática. O argumento de Kant é que a regra prática não contém as acções que a exemplificam; enquanto regra prática, a lei moral não é um universal composto de particulares, e uma acção moral exemplar prova apenas a possibilidade de agir em conformidade com o dever. Vou empregar esta distinção entre instância e exemplo para abordar a questão acerca do papel dos conceitos na crítica de cinema. A minha estratégia consiste em classificar as diferentes funções que os filmes operam em relação aos conceitos. Sustento, primeiro, que as funções da instância e exemplo têm dominado a crítica de cinema e, segundo, que estas duas funções são, na verdade, modos deficientes de uma terceira função, mais lateral, o caso. De acordo com isto, a primeira parte desta apresentação é dedicada à discussão das diferenças entre instância e exemplo; e a segunda parte é dedicada à explicação da noção de caso. Começo então com a instância, que, seguindo Kant, podemos definir como qualquer filme específico contido sob um conceito. A partir do momento em que este tipo de conceito se comporta como um conjunto contendo particulares, refiro-me a ele como uma classe. Identificamos filmes como membros de uma classe se incluem as características necessárias e suficientes que o conceito especifica. A característica principal de uma instância é a sua substituibilidade; uma instância está no lugar de qualquer outro membro da sua classe. A lógica da instância reside em dois princípios complementares: o princípio de homogeneidade, que postula a identidade sob o género, e o princípio de especificação, que postula a variedade em espécie apesar do seu acordo sob o género. | Ao classificar objectos artísticos ou técnicos como o cinema, enfrentamos o desafio insuperável de o conceito não determinar os filmes que contém. Consequentemente, o próprio conceito é posto em causa em cada um destes filmes. Por exemplo, o conceito de Western está em questão em cada filme que reclama a sua pertença a este género. Ao procurarem uma alternativa a este modelo de classificação clássico, alguns críticos recorreram à noção de Wittgenstein de semelhanças de família, noção que propõe como um princípio de unidade não a presença invariável de uma propriedade comum, mas antes a interacção entre um conjunto de critérios combinados de modos imprevistos. Apesar desta alternativa certamente complicar o modo como estabelecemos a pertença de um filme a uma determinada classe, permanecemos dentro da lógica da instância na medida em que as semelhanças de família ainda propõem um modo de subsumir elementos sob um conceito. Vou agora extrapolar a noção de Kant de exemplo moral para explicar o que constitui um exemplo no reino dos estudos cinematográficos. Como expliquei anteriormente, para Kant, os exemplos morais não são elementos de um conjunto; provam apenas a possibilidade de agir em conformidade com o dever. De modo análogo, os exemplos nos estudos cinematográficos provam a possibilidade de aplicar um conceito – ou, mais precisamente, um campo conceptual – aos filmes; por outras palavras, os exemplos provam a relevância de um campo conceptual no contexto do cinema. |
O que distingue em primeiro lugar as instâncias dos exemplos é o tipo de relação que mantêm com os conceitos. Na medida em que uma classe contém uma instância, a sua relação é principalmente espacial. Um campo conceptual, por outro lado, atravessa um exemplo; logo, a sua relação é melhor descrita em termos da acção do campo conceptual e do suportar do exemplo. Neste sentido, conceito e exemplo mantêm uma relação dinâmica: o campo conceptual deve demonstrar a sua capacidade para agir sobre o filme – ou seja, tornar o filme inteligível; o filme, por outro lado, deve mostrar a sua adaptabilidade, quer dizer, a sua capacidade para ceder ao campo conceptual. Instâncias e exemplos diferem também no que considera a como se relacionam com outros filmes. Instâncias relacionam-se com outros filmes enquanto membros da mesma ou de diferentes classes, ou seja, em termos de similitudes e diferenças. Os exemplos não partilham necessariamente similitudes com outros filmes; o que torna um filme exemplar é o modo como reage à acção exercida pelo campo conceptual. Nesta medida, um exemplo não determina à partida a extensão do campo conceptual, ou seja, um exemplo não antecipa que outros filmes o campo conceptual pode compreender ou que sentido a acção do campo conceptual pode exercer a partir doutro filme. Logo, em termos estritos, o que é exemplar não é o próprio filme, mas antes a análise do filme. | A lógica dos exemplos domina aquilo que Francesco Cassetti chamou de teorias metodológicas do cinema. Como explica Cassetti, as teorias metodológicas consistem em campos disciplinares – tal como a semiologia ou a psicanálise – que tentam demonstrar a possibilidade de compreender o cinema dentro da sua esfera. Como uma aplicação de la grande syntagmatique, a análise de Christian Metz a Adieu Philippine de Jacques Rozier instancia o uso de exemplos. Ao destacar os segmentos autónomos no filme, Metz caracteriza certamente a estrutura narrativa do filme; no entanto, Metz em última análise ambiciona demonstrar a possibilidade de aplicar la grande syntagmatique, e a semiótica em geral, ao cinema. Em vez de antecipar o sentido dos outros filmes analisados sob a lente da semiótica, a análise mostra a aplicabilidade do campo conceptual a qualquer filme; de forma significativa, Metz afirma numa nota que escolheu o filme sobretudo porque “se dava o caso de gostar muito do filme”. Apesar de, muito provavelmente, o tipo, a ordem e o número de sintagmas poderem ter variado caso Metz tivesse escolhido outro filme, a análise permanece exemplar na medida em que prova a aplicabilidade do modelo aos filmes em geral. Consequentemente, aplicar o campo conceptual de uma disciplina não nos dá, em termos estritos, qualquer conhecimento sobre o próprio filme; torna simplesmente o filme inteligível dentro dos parâmetros do campo conceptual. Um exemplo, em última análise, demonstra o poder de compreensão do campo conceptual, e não a constituição do filme. |
Devemos notar que, de modo análogo ao facto da noção da classe ser posta em causa por cada membro que a ela pertence, um campo conceptual também é posto em causa a cada análise que elabora. Aqui, no entanto, a questão não é como os filmes específicos alinham pelas condições suficientes e necessárias que a classe estabelece, mas antes quão eficientemente compreende o campo conceptual o filme em jogo. Na sua análise de Adieu Philippine, Metz nota a resistência que o filme oferece ao seu modelo, e indica como o modelo pode ser concebido de novo para dar conta dos sintagmas que não se adequam completamente à la grande syntagmatique. Gostava de salientar que a instância e o exemplo não são objectos cinematográficos discretos, mas antes funções que um filme pode operar no mesmo texto. No ensaio de Metz, Adieu Philippine funciona simultaneamente como exemplo e como instância. Assim que Metz estabelece as frequências, carências, e ausências de sintagmas no filme, ele indica que o estilo do filme é típico daquilo a que chama cinéma nouveau, um cinema caracterizado pela aparente liberdade formal e transparência narrativa, desagrado por dispositivos retóricos óbvios, e ênfase no elemento verbal. Metz observa que a dependência do filme no sintagma cena instancia como este cinéma nouveau transmite um sentido de realismo global. Neste ponto do ensaio, Adieu Philippine já não demonstra a sua adaptabilidade ao campo conceptual, mas antes a possibilidade de estender os resultados da análise a um universo predeterminado de filmes. O filme cessou de ser um exemplo que demonstra o poder de um campo conceptual para se tornar numa instância que determina as características de um universo. A terceira função que discuto – o caso – tenta contrariar a homogeneidade entre classe e instância e a heterogeneidade entre campo conceptual e exemplo. Um caso envolve circunstâncias particulares que implicam conceitos; esta implicação, no entanto, não nos proporciona qualquer conhecimento do filme em causa ou sequer a possibilidade de aplicar estes conceitos a outros filmes. O caso oferece uma oportunidade para pensar conceitos do ponto de vista de circunstâncias particulares. | Através da sua interpretação da mónada de Leibniz, Deleuze ofereceu-nos uma concepção convincente do caso. Uma mónada diz respeito ao átomo do universo leibniziano, um átomo que não tem partes, sem extensão, e sem janelas através das quais algo podia entrar ou sair dela. Apesar do seu fechamento, as mónadas expressam o universo todo a partir do seu ponto de vista; as mónadas actuam como espelhos, reflectindo, desdobrando ou expressando distintamente aquelas partes do universo que se encontram mais próximas ou mais amplamente relacionadas com ela. No entanto, dado que as complicações do mundo se estendem ao infinito, as mónadas podem apenas expressar o todo de forma confuso. Esta concepção leibniziana do universo subjaz ao modelo do cinema de Deleuze, mesmo que Deleuze o retire principalmente de Matéria e Memória de Bergson. Mais em particular, Deleuze fala tanto através de Leibniz como de Bergson para descrever um universo regido por dois princípios: os princípios do dobrar e do desdobrar. Ao elogiar Leibniz como o filósofo que levou estes dois princípios mais longe, Deleuze escreve: “Estes dois pólos são: Tudo é sempre a mesma coisa, há apenas uma e mesma Base; e: Tudo é distinguível por grau, tudo difere em modo...”. Leibniz e Bergson são as mónadas – ou seja, os pontos de vista – através das quais Deleuze expressa este mesmo universo e este princípios imutáveis. Poderíamos expressar facilmente esta concepção englobante do universo dos livros Cinema em termos leibnizianos: cada uma das imagens, que percepciona todas as outras imagens no universo bergsoniano, é uma mónada leibniziana que expressa o universo todo a partir do seu ponto de vista. E, consequentemente, cada filme que Deleuze analisa no seu estudo é uma mónada que expressa um aspecto do universo mais claramente que outras. E é neste sentido leibniziano que os livros Cinema constituem uma história natural das imagens: cada imagem já incluí de forma confusa todas as possibilidades que outras imagens expressam de maneira clara. |
O que é então o caso e como difere de uma instância e de um exemplo? Como um caso, um filme já inclui todos os conceitos do mundo; cada filme expressa alguns conceitos de forma clara enquanto expressa outros apenas de forma confusa e obscura. O caso, então, reverte a relação entre classe e instância; enquanto que uma classe contém uma instância, um caso inclui o conceito. Deleuze usa a figura de um cone para visualizar a relação entre caso e conceito. A base do cone não se relaciona com um centro, mas tende para um vértice ou cume. O caso é precisamente o vértice do cone, expressando claramente os conceitos dentro da sua zona privilegiada e expressando, mesmo que confusamente, a sua pertença à base imensurável. É possível tratar os filmes como casos? De um certo ponto de vista, o próprio Deleuze não consegue inteiramente fazê-lo. Alain Badiou criticou com razão Deleuze por aquilo a que chama a produção monótona de Deleuze, isto é, a variação dos mesmos conceitos através dos casos que estuda. Traduzindo esta crítica em termos leibnizianos, poderíamos dizer que a mónada-Deleuze tende a dominar a mónada-filmes que analisa. E porque a mónada-Deleuze privilegia a sua própria expressão acima da expressão dos próprios filmes, os filmes tendem a parecer menos como casos que expressam o seu ponto de vista do que instâncias que incorporam conceitos deleuzianos e exemplos que provam a possibilidade da crítica deleuziana. Como mónadas dominadas, instâncias e exemplos expressam claramente a zona de influência da mónada-Deleuze. Por outras palavras, os livros Cinema de Deleuze não tentam expressar a zona de influência própria dos filmes, mas antes a metafísica de Deleuze do ponto de vista do cinema. | O que acontece, no entanto, quando o foco muda da metafísica para a crítica de cinema? É possível para a crítica de cinema deleuziana adoptar o método de Deleuze? Na medida em que a crítica de cinema deleuziana está preocupada com a determinação do cinema através dos conceitos deleuzianos e com provar a possibilidade de aplicar conceitos deleuzianos para compreender filmes, ela opera dentro das lógicas combinadas da instância e do exemplo. Considere-se, por exemplo, The Matrix of Visual Culture de Patricia Pisters, um exercício de extensão dos conceitos deleuzianos ao “cinema popular”. Quando Pisters escreve na introdução que ambiciona provar a aplicabilidade dos conceitos deleuzianos ao cinema popular, ela está a operar expressamente dentro da lógica do exemplo. Não estou a sugerir que a aplicação dos conceitos deleuzianos por Pister é desadequada ou mal orientada. Estou, ao contrário, a sugerir que, assim que mudamos o foco da metafísica para a crítica de cinema, o método de Deleuze torna-se possível somente aceitando a possibilidade de os conceitos deleuzianos poderem não residir perto da zona de influência de um determinado filme, e ao invés aprendendo a expressar os conceitos que permaneçam nessa zona. Para situar os filmes dentro da metafísica de Deleuze, temos que resistir à tentação de aplicar indiscriminadamente os conceitos que esta metafísica produziu. Para evitar tratar os filmes como instâncias e exemplos, devíamos considerar os conceitos deleuzianos não como uma oportunidade para estender o nosso conhecimento do cinema ou como uma oportunidade de provar a possibilidade de os aplicar, mas antes como o ponto de vista da mónada-Deleuze, um ponto de vista que já foi claramente expresso. |
Este ponto traz-me de volta à minha questão original acerca da relação entre filmes e conceitos. Esta relação é determinada por um modo de expressão, mais especificamente, pela dominância de uma mónada sobre outra. Instâncias e exemplos não são funções completamente diferentes dos casos; são mónadas fracas que não conseguem expressar a sua zona de influência com clareza. Como mónadas dominadas, ajudam ao expressarem a zona de influência de mónadas mais poderosas: as instâncias ajudam ao expressarem a capacidade do conceito conter; os exemplos ajudam ao expressarem a capacidade do conceito compreender. Para um filme expressar a sua zona de influência claramente, deve dominar não apenas os conceitos que o rodeiam, mas também a mónada-crítico ansiosa por consagrar estes conceitos. Agustin Zarzosa, «Instance, Example and Case» [versão alargada deste texto, o ensaio «The Case of the Illustrious Example» será publicado em breve numa revista da especialidade] Agustin Zarzosa is Assistant Professor of Cinema Studies at Purchase College. He received his PhD in Film and Television at UCLA. He is preparing a manuscript on dramatic modes and melodrama. |
Ao pé da letra #90 (António Guerreiro)
Sobre o ‘psi’ de emergência e seus derivados | |
«O “acompanhamento psicológico” é uma das grandes figuras terapêuticas do nosso tempo. Consiste na assistência a pessoas que sofreram um choque profundo e que, por isso, têm dificuldade em lidar com o real e iniciar o trabalho de luto. Freud chamou aos psicanalistas “curadores de almas”, mas nunca os imaginou em missões de emergência. Mais eficazes a curar almas do que os ‘psi’ de todas as espécies e credos foram sempre os funcionários habilitados da máquina religiosa. É difícil perceber como é que as terapêuticas psicológicas, no seu tempo lento de análise e de actuação, podem dar respostas imediatas, a não ser aproximando-se de outra coisa que nada tem a ver com a ciência e a racionalidade. | Este tipo de desvios são hoje comuns, como se pode ver pela difusão, em muitos países, do chamado aconselhamento filosófico. Trata-se de fazer da filosofia um instrumento cultural para enfrentar o sofrimento (livro de divulgação desta técnica de cura: Platão É Melhor do que Prozac). O filósofo ainda não assiste a situações de emergência, mas lá chegará, sem o empecilho de Nietzsche: “Se a felicidade fosse verdadeiramente desejável, o idiota seria o exemplar mais belo da humanidade”.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 10.4.2010. |
How to theoretically justify/hide your ‘bad taste’ and obedience to the ‘cultural objects’ of power:
«Why ‘post-cinematic’? Film gave way to television as a ‘cultural dominant’ a long time ago, in the mid-twentieth century; and television in turn has given way in recent years to computer- and network-based, and digitally generated, ‘new media.’ Film itself has not disappeared, of course; but filmmaking has been transformed, over the past two decades, from an analogue process to a heavily digitised one. It is not my aim here to offer any sort of precise periodisation, nor to rehash the arguments about postmodernity and new media forms that have been going on for more than a quarter-century. Regardless of the details, I think it is safe to say that these changes have been massive enough, and have gone on for long enough, that we are now witnessing the emergence of a different media regime, and indeed of a different mode of production, than those which dominated the twentieth century. Digital technologies, together with neoliberal economic relations, have given birth to radically new ways of manufacturing and articulating lived experience. I would like to use the three works I have mentioned in order to get a better sense of these changes: to look at developments that are so new and unfamiliar that we scarcely have the vocabulary to describe them, and yet that have become so common, and so ubiquitous, that we tend not even to notice them any longer. My larger aim is to develop an account of what it feels like to live in the early twenty-first century. I am therefore concerned, in what follows, with effects more than causes, and with evocations rather than explanations. That is to say, I am not looking at Foucauldian genealogies so much as at something like what Raymond Williams called ‘structures of feeling’ (though I am not using this term quite in the manner that Williams intended). I am interested in the ways that recent film and video works are expressive: that is to say, in the ways that they give voice (or better, give sounds and images) to a kind of ambient, free-floating sensibility that permeates our society today, although it cannot be attributed to any subject in particular. | By the term expressive, I mean both symptomatic and productive. These works are symptomatic, in that they provide indices of complex social processes, which they transduce, condense and rearticulate in the form of what can be called, after Deleuze and Guattari, ‘blocs of affect.’ But they are also productive, in the sense that they do not represent social processes, so much as they participate actively in these processes, and help to constitute them. Films and music videos, like other media works, are machines for generating affect, and for capitalising upon, or extracting value from, this affect. As such, they are not ideological superstructures, as an older sort of Marxist criticism would have it. Rather, they lie at the very heart of social production, circulation and distribution. They generate subjectivity and they play a crucial role in the valorisation of capital. Just as the old Hollywood continuity editing system was an integral part of the Fordist mode of production, so the editing methods and formal devices of digital video and film belong directly to the computing-and-information-technology infrastructure of contemporary neoliberal finance. There’s a kind of fractal patterning in the way that social technologies, or processes of production and accumulation, repeat or ‘iterate’ themselves on different scales and at different levels of abstraction.» Steven Shaviro, «Post-Cinematic Affect: On Grace Jones, Boarding Gate and Southland Tales», Film-Philosophy 14.1 2010, pp. 2-3. |
Ao pé da letra #89 (António Guerreiro)
Sobre a opinião pública e as suas perversões | |
«Fazendo uma arqueologia do espaço público, Habermas mostra que o princípio em que se baseia a verdade do Estado moderno é a ideia do povo soberano, que deve, por sua vez, exprimir-se sob a forma da opinião pública. Se a lógica de um estado de coisas se torna facilmente apreensível nos seus fenómenos extremos, então devemos pensar que nada ilustra melhor a perversão dessa ideia moderna de opinião pública do que o lixo opinativo dos blogues e das caixas de comentários dos leitores nos jornais online — caricaturas grotescas da hipertrofia da opinião mediática. | Este fluxo imparável da opinião é o oposto da liberdade real de pensamento e de comunicação. É uma conversa que se molda inteiramente pela vontade do reconhecimento e segundo critérios que são os de uma ortodoxia partilhada pelo grupo a que se pertence, simetricamente recusada por outros grupos cuja aspiração é a mesma: triunfar nas guerras da opinião e ocupar um lugar nesta dialéctica sem síntese. Faz lembrar a história contada por Hegel: uma vendedora de ovos a quem um cliente diz “Os seus ovos estão podres” responde, por seu turno, Podre está o senhor, e a sua mãe, e a sua avó.”» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 2.4.2010. |
Filmes ‘menores’ em Abril
Kohayagawa-ke no aki / O Outono da família Hayagawa Yasujiro Ozu 1961, 98’ História permanente do cinema (prog. Antonio Rodrigues) Sáb, dia 10, 19h Cinemateca*, Lisboa | We can’t go home again Nicholas Ray 1971, 93’ História permanente do cinema Sáb, dia 10, 22h – Cinemateca | Zabriskie Point Michelangelo Antonioni 1970, 110’ 5ª, dia 15, 21h30 – Cinemateca | Gerry Gus Van Sant 2003, 103’ 6ª, dia 16, 21h30 – Cinemateca |
The misfits John Huston 1961, 124’ 2ª, dia 19, 21h30 – Cinemateca | Eika Katappa Werner Schroeter 1969, 130’ 2ª, dia 19, 22h – Cinemateca | Magnificent obsession Douglas Sirk 1954, 108’ 6ª, dia 23, 15h30 – Cinemateca | My way home Bill Douglas 1978, 71’ “Fórum” de Berlim 40 anos IndieLisboa 2010 6ª, dia 23, 21h45 e 2ª, dia 26, 15h – Culturgest última parte da Trilogia a projectar |
Lian lian feng chen / Poeira no vento Hou Hsiao-Hsien 1987, 109’ “Fórum” de Berlim 40 anos IndieLisboa 2010 Sáb, dia 24, 18h30 – Culturgest | Sauve qui peut (la vie) Jean-Luc Godard 1980, 97’ “Fórum” de Berlim 40 anos (escolha de Angela Schanelec) IndieLisboa 2010 Sáb, dia 24, 21h30 2ª, dia 26, 15h15 City Classic Alvalade 1, Lisboa | D’Est Chantal Akerman 1993, 110’ “Fórum” de Berlim 40 anos IndieLisboa 2010 3ª, dia 27, 15h Culturgest, Lisboa | L'hypothèse du tableau volé Raúl Ruiz 1979, 66’ 3ª, dia 27, 19h Cinemateca, Lisboa |
Orly Angela Schanelec 2010, 84’ IndieLisboa 2010 3ª, dia 27, 21h45 City Classic Alvalade 3 | The exorcist William Friedkin 1973, 120’ 4ª, dia 28, 15h30 Cinemateca | Ruhr James Benning 2009, 120’ IndieLisboa 2010 Sáb, dia 1 de Maio, 21h15 Londres 2, Lisboa cf. «The act of seeing, synthetically»* (Matthew Flanagan) | Tulitikkutehtaan tyttö / A rapariga da fábrica de fósforos Aki Kaurismäki 1990, 68’ “Fórum” de Berlim 40 anos IndieLisboa 2010 Dom, dia 2 de Maio, 18h30 Londres 1 |
Kasaba Nuri Bilge Ceylan 1997, 85’ “Fórum” de Berlim 40 anos IndieLisboa 2010 Dom, dia 2 de Maio, 21h45 City Classic Alvalade 3 |
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