Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #89 (António Guerreiro)

Sobre a opinião pública e as suas perversões

«Fazendo uma arqueologia do espaço público, Habermas mostra que o princípio em que se baseia a verdade do Estado moderno é a ideia do povo soberano, que deve, por sua vez, exprimir-se sob a forma da opinião pública. Se a lógica de um estado de coisas se torna facilmente apreensível nos seus fenómenos extremos, então devemos pensar que nada ilustra melhor a perversão dessa ideia moderna de opinião pública do que o lixo opinativo dos blogues e das caixas de comentários dos leitores nos jornais online — caricaturas grotescas da hipertrofia da opinião mediática.

Este fluxo imparável da opinião é o oposto da liberdade real de pensamento e de comunicação. É uma conversa que se molda inteiramente pela vontade do reconhecimento e segundo critérios que são os de uma ortodoxia partilhada pelo grupo a que se pertence, simetricamente recusada por outros grupos cuja aspiração é a mesma: triunfar nas guerras da opinião e ocupar um lugar nesta dialéctica sem síntese. Faz lembrar a história contada por Hegel: uma vendedora de ovos a quem um cliente diz “Os seus ovos estão podres” responde, por seu turno, Podre está o senhor, e a sua mãe, e a sua avó.”»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 2.4.2010.

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