Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #33 (António Guerreiro)

«O consenso ético significa um esvaziamento da política

Numa recente entrevista, Rui Machete defendeu que o PSD devia tornar-se um “partido de valores”. Esta questão dos “valores” parece valente e valorosa, mas faz parte de uma tagarelice humanitária que mais nada tem para oferecer do que o consenso ético, sob uma forma doutrinária. Em rigor, não é tanto uma ética, é mais uma etiqueta. O que esta questão da evidência intemporal dos valores acaba por esconder é tudo aquilo que pertence a um certo regime de discurso, que é construído e não pode ser objecto de consenso. E isso chama-se política.

Reclamar, para um partido, a referência à ética e aos valores não significa outra coisa senão despolitizar. Um partido político não é uma comissão de ética; e também não é, ou não pode ser, um grupo de malfeitores. Mas quando a ideologia ética penetra em força no território da política, esvazia-a de debate, de conflito, de polémica. Em suma, despolitiza: à semelhança da economia e da biopolítica modernas. Assim como a literatura não se faz com bons sentimentos, a política baseada nos “valores” conduz a um niilismo de onde está ausente qualquer pensamento.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 31.1.2009.

Sem comentários:


Arquivo / Archive