Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Justificação da crítica francesa para a estranha tradução do título de um filme


«À en croire le titre allemand, l'affaire serait plus compliquée et le désir non seulement despotique et animal. La traduction tente d'en rendre la richesse sémantique, en insinuant un double sens quasi godardien, avec le pluriel en parenthèses. "Sehnsucht", que la langue française n'est pas en mesure de reproduire littéralement, exprime un désir mélancolique, un état amoureux rêveuse et langoureux qui va au-delà de l'inclination libidineuse à laquelle, par l'empire naturel, l'on ne saurait échapper.»
Axel Zeppenfelt, Cahiers du cinéma, Outubro 2007

Isto a propósito do belíssimo filme Sehnsucht (2006) de Valeska Grisebach ter saído em sala em França com o título, no cartaz em maiúsculas, de DÉSIR[S]. Em toda a restante documentação, é referido como Désir(s), ou seja, em português, Desejo(s).
Que estranho este hábito francês de alterar os títulos nas traduções, bem para lá das dificuldades de transposição semânticas! E que imaginação especulativa para o tentar justificar! Assim se enchem páginas... E, no entanto, na última dos Cahiers, a das estrelinhas acumuladas, o apelido da realizadora apareceu dois meses seguidos mal escrito. Mais correcção, menos especulação!
Ora, e em primeiro lugar, convinha não confundir assim o emprego de parênteses rectos com o de parênteses curvos. É precisamente essa confusão que permite a piscadela de olho godardiana, já que é com parênteses curvos que se escrevem as Histoire(s) du cinéma.
Exceptuando o caso optimista de se acreditar na utilização a este propósito da concepção deleuziana de desejo, que nada tem a ver com o prazer e não se restringe de todo ao corpo, não se percebe muito bem que invenção francesa é esta do(s) Désir[s], quando o termo alemão "Sehnsucht" quer dizer algo de aproximado à nossa "saudade". E esta, no filme, circunscreve-se à decorrente do encontro amoroso entre pessoas. Por isso era o título inglês tão bem conseguido: Longing.
No seguimento, e na vaga esperança que o filme volte a ser projectado em Portugal, deixo aqui a sugestão de um título português, que talvez peque apenas pela subtileza: Apego. Revejo o filme, outra vez sem legendas, e creio que também podia ser Anseio.


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