Ao pé da letra #210 (António Guerreiro): A magia da comunicação
Desde há muito que a política é desencantada, mas a comunicação, essa, é mágica. É isto que temos de concluir do investimento comunicacional que os políticos assumiram como tarefa e a cujas falhas atribuem todos os desentendimentos e diferendos com os cidadãos. A comunicação não é propaganda (estamos longe desses tempos do totalitarismo moderno), mas pedagogia. A propaganda criava uma realidade, era o instrumento da política entendida como obra de arte total; a comunicação é o discurso do mestre dirigido a quem não acedeu ao estatuto de maioridade. Ostensivamente, e como se fosse algo cheio de qualidades, instalou-se a comunicação em vez do discurso político e a pedagogia em vez da discussão. O político comunicante e pedagogo tem uma convicção: a de que tem uma atividade pastoril que consiste em conduzir o rebanho por bons caminhos e todo o desvio se deve ao facto de não ter comunicado de maneira eficaz as instruções e os objetivos. | E tem uma missão: impor as suas iluminações como saber único, virtuoso e indiscutível. Do ponto de vista desta racionalidade comunicativa, se os cidadãos reagem é porque não perceberam: porque a competência comunicativa foi escassa ou – hipótese sempre implícita – porque são genuinamente estúpidos. Esta crença sem limites na comunicação vê na linguagem um mero veículo em sentido único, nos cidadãos uma massa inerte e destituída de palavras próprias, eliminando assim toda a racionalidade política. Neste sentido, a comunicação é o ato pelo qual se opera uma espoliação do discurso político e se esvaziam os lugares onde ele era tradicionalmente produzido. Estes novos magos da comunicação vivem no mundo da transparência, da pedagogia dos mestres, do material didático de hipermercado. A regra que os determina pode ser enunciada desta maneira: quanto menos têm para dizer, mais têm para comunicar. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 22.9.2012. |