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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #208 (António Guerreiro): Defender Rui Ramos contra os seus defensores

Esta croniqueta tem o propósito avantajado de defender o historiador Rui Ramos contra os seus defensores. Para refutar e defender-se de um crítico – Manuel Loff – mais exaltado do que a atitude científica recomenda, tem o próprio todos os meios – como se viu – e até espaço largo para repousar sobre a frágil argumentação esgrimida pelo adversário, que não parece ter ouvido o coro angélico a soprar-lhe ao ouvido uma antiga exortação revolucionária: “Manuel encore un effort...”. Mas para se defender dos seus defensores indignados que se puseram em fila e foram gritando, à vez, que era preciso banir o difamador e retirar ao aleivoso a coluna do jornal onde ele exerce os seus pérfidos ofícios – para se defender desta gente, dizíamos, que só tem para exibir a verdade enfática do gesto nas grandes circunstâncias da vida (a parte final da frase é de Baudelaire e não precisa de aspas) e é um estorvo na relação de um investigador com os seus pares, Rui Ramos ficou desarmado como um refém. 
Do discurso do seu crítico, ou detrator, para darmos um sentido mais puro às palavras da tribo (a parte final é de Mallarmé), podíamos ainda assim esperar, com uma boa vontade nascida do desejo, que ele seria um pretexto para inaugurar a nossa serôdia “querela dos historiadores”, sem Nolte nem Habermas, mas fazendo do nosso modesto “passado que não quer passar” um estimulante campo de batalha, como é toda a historiografia. Mas essa pequena frincha por onde podia ter entrado o debate foi imediatamente fechada pela dança pública da indignação, por um nauseabundo cortejo do desagravo que age com um pressuposto inaceitável e ofensivo: o de que os leitores, na sua ignorância, estão à mercê de um reclamado manipulador, cujas manobras de prestidigitador só eles – os espertos e iluminados – topam. E foi assim que ganho carácter de urgência a defesa de Rui Ramos contra os seus defensores.

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 8.9.2012.

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