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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #156 (António Guerreiro): O salário dos ricos

A questão dos impostos levantou uma discussão indigente sobre o que é ser rico e ser pobre. Para começar, dever-se-ia ler um ensaio de Georg Simmel, de 1907, onde este sociólogo alemão formula uma definição: “É pobre aquele cujos meios não são suficientes para os fins que persegue”. Em vez de identificar a categoria social específica dos pobres, Simmel mostra que a pobreza não pode ser definida de maneira quantitativa por características que lhe seriam próprias: não é um dado absoluto, mas relativo. Um professor universitário que não tem dinheiro para comprar livros é pobre. Outra coisa que nos ensina Simmel é que a assistência aos pobres não se destina a socorrê-los, mas a proteger a sociedade da sua presença. Quanto aos ricos, importa verificar que os títulos de pertença à alta-burguesia já não se definem pelo valor da propriedade, mas por um certo nível de remunerações e o modo de vida que ele permite. 

A burguesia moderna é a burguesia assalariada (muita gente de esquerda parece que ainda não percebeu que a correspondência que Marx tinha estabelecido entre proletariado e assalariado está hoje quebrada). Só que esse salário, ao contrário do “salário fundamental” da grande maioria dos trabalhadores, tem um preço ‘político’, independente do mercado. É o sobressalário arbitrário. Não é a qualificação, o mérito e a lei da oferta e da procura que fazem com que um gestor ganhe muitos milhares de euros por mês: ele ganha-os por uma arbitragem política da sociedade que determina que o poder deve estar aí e não, por exemplo, num indivíduo que detém uma posição singular no ramo do saber e da ciência. O mesmo acontece com as vedetas de televisão: elas devem o seu sobressalário não à qualificação, não ao facto de fazerem aquilo que mais ninguém poderia fazer, mas por uma arbitragem do poder na sociedade mediática que leva a aquele que paga ganhe precisamente por pagar muito. 

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 10.9.2011.

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