Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #63 (António Guerreiro)

«Não só a crítica faz a consagração de um escritor

“Os críticos literários portugueses não me aceitam na confraria dos escritores”, disse Miguel Sousa Tavares no lançamento do seu último livro, no Brasil (segundo o Público). Esta suposição da crítica literária como guarda territorial não é válida, nem sequer para o tempo em que a instituição crítica tinha a força que não tem hoje. A consagração de um escritor depende mais da aceitação pelos seus pares do que do juízo dos críticos. Na verdade, são os outros escritores que em última instância outorgam as cartas de nobreza. Não é necessário (nem conveniente) a unanimidade dos pares, mas é indispensável a sanção de um sector importante da “confraria”. Faz parte da lógica do campo literário.

Tal como faz parte das suas regras, como mostrou o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o facto de o sucesso do escritor quanto ao número de vendas corresponder geralmente a uma perda no terreno simbólico. É certo que esta regra, a que Flaubert deu um valor absoluto quando afirmou que “les honneurs déshonorent”, não tem hoje a mesma validade. Mas por mais voltas que o mundo da literatura e da arte tenha dado, ela não foi completamente revogada.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 26.9.2009.

Ao pé da letra #62 (António Guerreiro)

«O que é o ideal goethiano de uma literatura mundial?

Quem consultar as páginas literárias dos mais importantes jornais europeus, será levado a pensar que elas foram atravessadas, nas últimas semanas, por um cometa que traçou com a sua trajectória um espaço literário internacional. Esse cometa chama-se “2666” e é o romace póstumo do escritor chileno Roberto Bolaño. Conhecemos o fenómeno com os Harry Potter e os Dan Brown. Mas aí podemos dizer que se trata de mundialização comercial, não de internacionalismo literário. Ora, neste caso, todos proclamam que se trata de uma obra-prima, algo que não estamos habituados a que circule facilmente no mundo inteiro, em traduções quase simultâneas.
Podemos encontrar aqui a prova de que a literatura nacional não significa grande coisa. Mas a literatura mundial, no sentido de Goethe, é a coexistência activa das literaturas contemporâneas, não é a criação de um espaço literário homogéneo atravessado por cometas e iluminado por umas poucas estrelas da universal e vazia constelação literária. “2666” pode ser um romance genial, mas seria ingénuo pensar que a sua difusão configura uma planetária república das letras governada pelo ideal goethiano de uma literatura mundial.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 20.9.2009.


Pedro Costa em destaque em Setembro

Lançamento da monografia cem mil cigarros – OS FILMES DE PEDRO COSTA,

edição de O SANGUE em DVD

reposição de O SANGUE em sala

e reedição em DVD de ONDE JAZ O TEU SORRISO?

Dia 22 de Setembro, terça-feira, na Cinemateca Portuguesa, às 19h30, será apresentada a monografia cem mil cigarros – OS FILMES DE PEDRO COSTA, uma edição de mais de 300 páginas com textos de 28 críticos, ensaístas, realizadores e artistas de todo o mundo, coordenada por Ricardo Matos Cabo e publicada pelas edições Orfeu Negro. Serão também apresentados os lançamentos da Midas Filmes da edição em DVD do primeiro filme de Pedro Costa, O SANGUE, a partir de um novo master digital de alta definição 2K, com restauro digital de imagem e som, e da reedição em DVD de ONDE JAZ O TEU SORRISO? Às 21h30, segue-se uma sessão de O SANGUE na sala Dr. Félix Ribeiro.

O filme será objecto de uma reposição em cópia nova, no dia 24 de Setembro, em exclusivo no cinema UCI El Corte Inglés, em Lisboa, vinte anos depois da sua estreia mundial em Veneza.

As edições em DVD dos dois filmes são edições de coleccionador com várias horas de complementos e estarão à venda a partir do dia 1 de Outubro. O DVD de O SANGUE tem como extras: “Sangue antigo e sangue novo por João Bénard da Costa”, “Órfãos um comentário de Phillipe Azoury”, “Jeanne Balibar canta duas canções um filme de Pedro Costa”, “13 Fotografias de Paulo Nozolino”, “Fotografias de rodagem”, “Filmografia de Pedro Costa”, “Trailers” e “Capítulos”. ONDE JAZ O TEU SORRISO? tem como extras “Danièle Huillet, Jean Marie Straub, Cineastas – filme da colecção cinema de notre temps”, “6 Bagatelas – seis cenas inéditas montadas especialmente para esta edição”, “O Viandante e O Amolador – duas curtas-metragens inéditas de Danièle Huillet e Jean Marie Straub”, “Filmografias Pedro Costa, Danièle Huillet e Jean Marie Straub”.

Em Novembro, a Midas Filmes estreará ainda NE CHANGE RIEN, o último filme do realizador, antestreado na Quinzena dos Realizadores em Cannes. A estreia do filme contará com a presença da actriz Jeanne Balibar.

NE CHANGE RIEN foi também já apresentado na Filmoteca de Madrid, onde foi exibida uma retrospectiva completa do realizador, no Festival de Marselha, na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, e seguem-se apresentações em mais de vinte festivais em todo o mundo, entre os quais o Festival de Nova Iorque e a Tate Modern em Londres, onde em Setembro e Outubro será apresentada uma retrospectiva completa da obra de Costa e uma selecção de filmes que o inspiraram enquanto realizador.

Raros filmes... (uma excepção)


My childhood
1972, 45’
My ain folk
1973, 55’
Bill Douglas
História permanente do cinema
(prog. Antonio Rodrigues)
Sáb, dia 26 de Setembro, 22h
Cinemateca, Lisboa
cf. «As flores e a caneca» e
«A fixação autobiográfica»

A blank screen, the images I might yet display
The reason for this lingering interest in me may have been nothing more than the common preference of plainsfolk for the concealed rather than the obvious—their weakness for expecting much from the unfavoured or the little-known. Although I asked no questions on my own behalf, I learned in time that I was considered by a small group to be a film-maker of exceptional promise. When I first heard this, I had been about to reply that my cabinets full of notes and preliminary drafts would probably never give rise to any image of any sort of plain. I had almost decided to call myself poet or novelist or landscaper or memorialist or scene-setter or some other of the many sorts of literary practitioner flourishing on the plains. Yet if I had announced such a change in my profession I might have lost the support of those few people who persisted in esteeming me. For although writing was generally considered by plainsmen the worthiest of all crafts and the most nearly able to resolve the thousand uncertainties that hung about almost every mile of the plains, still, if I had claimed even a small part of the tribute paid to writers I would probably have fallen out of favour with even those who shared this view of prose and verse. For my most sincere admirers were aware also of the plainsman's scant interest in films and of the often-heard claim that a camera merely multiplied the least significant qualities of the plains—their colour and shape as they appeared to the eye. These followers of mine almost certainly shared in this mistrust of the uses of film, for they never suggested to me that I might one day devise scenes that no one could have predicted.
What they praised was my apparent reluctance to work with camera or projector and my years spent in writing and rewriting notes for introducing to a conjectured audience images still unseen. A few of these men argued even that the further my researches took me away from my announced aim and the less my notes seemed likely to result in any visible film, the more credit I deserved as the explorer of a distinctive landscape. And if this argument seemed to classify me as a writer rather than a film-maker, then my loyal followers were not perturbed. For their very denials justified their belief that I was practising the most demanding and praiseworthy of all the specialized forms of writing—that which came near to defining what was indefinable about the plains by attempting an altogether different task. It suited the purposes of these men that I should continue to call myself a film-maker; that I should sometimes appear at my annual revelation with a blank screen behind me and should talk of the images I might yet display. For these men were confident that the more I strove to depict even one distinctive landscape—one arrangement of light and surfaces to suggest a moment on some plain I was sure of—the more I would lose myself in the manifold ways of words with no known plains behind them.

Gerald Murnane, The plains,
Text Publishing, Melbourne, 1982, pp. 169-172.

Ao pé da letra #61 (António Guerreiro)

«A bouffonnerie política e mediática é o nosso destino

Aqui, como em boa parte da Europa, a vida política italiana tem suscitado a pergunta: como é que um país com uma cultura tão requintada tem Berlusconi como Presidente? A Itália, nos aspectos político e social, foi quase sempre um laboratório. Podemos então prever que a pergunta antecipa a difusão geral da bouffonnerie de Berlusconi. Mesmo a França, tão zelosa da bienséance dos políticos e dos media, sucumbiu, com este novo Presidente, a tentações que mimetizam o modelo transalpino. Por cá, a bouffonnerie italo-berlusconiana vai fazendo a sua caminhada, sem espírito nem graça.
Quando na Itália de Berlusconi se discute a liberdade de imprensa que manifestamente por lá já não existe, aqui a discussão é quase idêntica e tem como pretexto um jornal televisivo que tinha muito de buffon, excepto a magia sarcástica. Pode ser que o seu fim signifique de facto um atentado à liuberdade de imprensa. Mas se apenas ele (e não aquilo sobre o qual ele se edificou: a devastação operada pela televisão e por alguns media) é capaz de causar um tal sobressalto, então podemos estar seguros de que a bouffonnerie já cá chegou.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 12.9.2009.

Pier Paolo Pasolini
portrait published by Jon Jost in «Mala Italia»



Under Construction: Film & TV Research Seminar Series
Under Construction is an ongoing series of public research seminars in the field of Film and Television Studies, that highlights ongoing research and work in progress. Direct enquiries to Adrian Martin. Selected recordings of previous seminars are available for download.

Extra screenings: Semester 2 2009
Under Construction is held every second Thursday throughout the semester
S704, Menzies Building, Clayton Campus, Monash University, Melbourne, Australia
4-6pm


13 August 2009
PINK (Greece, Alexander Voulgaris, 2006)
From the home of civilization and philosophy comes the ultimate ‘BAD CINEMA’ teen trash movie! Do not skip out before the ending.

27 August 2009
SHIRIN (Iran, Abbas Kiarostami, 2008)
Melbourne premiere of a film scandalously omitted from MIFF! This is the latest masterpiece by the great Iranian director – a film like no other, about the act of watching films.

10 September 2009
THE BURNT THEATRE (Cambodia/France, Rithy Panh, 2005)
IMDb has only two words to describe this film: ‘documentary’ and ‘war’! Panh is among the key political filmmakers of our time.

24 September 2009
AFTERNOON (Germany, Angela Schanelec, 2007)
Angela Schanelec (born 1962) is a part of what has been dubbed the "Berlin School" of the "New German Wave" of the past decade. Alongside filmmakers including Valeska Grisebach and Christian Petzold, Schanelec's films "consistently focus on middle class people drifting through their lives, unable to make decisions that could free them from their constant state of melancholy" (Ekkehard Knörer). A modern adaptation of Chekhov's THE SEA GULL, AFTERNOON is "concerned with both qualities of light and with passages, moments of transition and liminality" (Michael Sicinski).


All films are selected and introduced by PhD student, programmer and blogger André Dias, visitor to Monash from Universidade Nova de Lisboa, Portugal

ALL SCREENINGS IN S704, MENZIES BUILDING, CLAYTON THURSDAYS 4-6PM
Inquiries: Adrian.martin@arts.monash.edu.au


[a rubrica de recomendações cinéfilas «Raros filmes de ...», ausente em Agosto por escassez de oferta e Setembro por distância física extrema, será retomada apenas em Outubro]


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