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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #58 (António Guerreiro)

«A palavra “Auschwitz” tornou-se um tópico místico

Na sua crónica da passada quarta-feira, no DN, escreve Baptista-Bastos: “Quando o grande poeta Paul Celan saiu de Auschwitz, onde sofrera impiedosos tormentos, foi visitar Heidegger.” Celan nunca esteve em Auschwitz, e o seu célebre encontro com Heidegger só se deu em 1967 (e, já agora, ao contrário do que diz Baptista-Bastos, se houve coisa que Celan nunca ocultou foi o constrangimento que lhe provocou tal encontro, que decorreu algumas horas depois de se ter recusado, na Universidade de Friburgo, a ser fotografado ao lado do filósofo).
Mas o erro do cronista é coisa de pouca importância e não ousaria evocá-lo se não fosse para ver nele o princípio de outra coisa que pode ser detectada com frequência em muitos discursos: a palavra “Auschwitz” ganhou um poder de fascínio negativo, corresponde àquele território que é o de uma espécie de sublime (ainda que se trate do sublime do terror) que é quase da ordem do teológico. Haverá certamente muitas razões para esta atitude extática, e uma delas decorre desde logo da palavra “Holocausto”. Mas será ela hoje conveniente? Nâo corresponderá àquele espanto inicial que se tornou uma reserva retórica?»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 1.8.2009.


 

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