Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Os gansos de Sobibor (Os animais #2)




«YEHUDA LERNER: ... (em hebraico)
INTÉRPRETE (traduzindo): ... Teve apenas tempo de me dizer: “Fujam, porque levam-vos a Sobibor para serem queimados”. Foi isto o que consegui perceber.
[...]
YEHUDA LERNER: ...
INTÉRPRETE: De manhã, pudemos finalmente ler o nome do lugar em que nos encontrávamos – Sobibor.
YEHUDA LERNER: ...
INTÉRPRETE: E então percebemos que o polaco tinha dito a verdade. Mas era demasiado tarde. Já não podíamos fugir.

YEHUDA LERNER: ...
INTÉRPRETE: O comboio fazia manobras no interior do campo e o carregamento tinha sido desmantelado. Quando o comboio parou, fizeram-nos sair com gritos de “Raus!”, “Raus!”. Havia imensos alemães e ucranianos em uniformes negros. Todos os prisioneiros de guerra compunham um grupo apenas. Colocaram-nos à parte. Um alemão aproximou-se de nós, dizendo: “Preciso de sessenta homens fortes”. Pensei: em qualquer lado onde é preciso um trabalho de força, há provavelmente o que comer. Alinho. O alemão tinha exigido sessenta homens, saíram cinquenta. Então o alemão pôs-se a gritar: “Ah sim? Não querem trabalhar? Vão voltar rapidamente ao moise[?]”. Não percebemos o que queria dizer. O alemão ainda escolheu ele próprio alguns homens e, quando éramos um grupo de sessenta, levou-nos e colocou-nos à parte.

Nesse momento, ouvimos que o resto do carregamento era levado e que gritos e urros começavam a ouvir-se. E gritos de gansos, mesmo de gansos. Durou mais ou menos uma hora. E, de repente, o silêncio.

Disseram-nos depois que os alemães tinham um bando de várias centenas de gansos. E, no momento em que os levavam e os judeus começavam a gritar, os alemães provavelmente faziam os gansos correr em todas as direcções, de modo a que os gansos se pusessem a gritar também, e que o grito dos gansos cobrisse o grito dos homens.

CLAUDE LANZMANN: É certamente verdade, dado que os polacos contam o mesmo de Sobibor e de Treblinka também. Que os judeus gritavam como gansos quando eram gaseados.
YEHUDA LERNER: ...
INTÉRPRETE: Era de tal forma verdade que eram mesmo verdadeiros gansos. Eram mesmo bandos de gansos criados especialmente para poder cobrir os gritos dos homens no momento em que estes gritavam.
YEHUDA LERNER: ...
INTÉRPRETE: A razão era que, como levavam vários milhares de pessoas de cada vez, os alemães queriam evitar... Os carregamentos eram compostos por milhares de pessoas, então os alemães queriam evitar que as pessoas que se encontravam no fim do carregamento ouvissem os gritos daqueles que estavam no início do carregamento.

CLAUDE LANZMANN: Ele ouviu esses gritos de gansos e depois o silêncio. É isso?
INTÉRPRETE: ...
YOSHUA LERNER: ...
INTÉRPRETE: Quando se fez silêncio (...)»


[Sobre este filme, conferir o texto de Bruno Duarte: «Elegia política e tempo trágico», Intervalo 2, Lisboa, 2006.]

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