Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Encadeamentos


« Deste modo compreendemos claramente o que é a Memória. Ela não é, com efeito, mais que um certo encadeamento de ideias envolvendo a natureza das coisas que estão fora do corpo humano, encadeamento que se faz no espírito segundo a ordem e o encadeamento das afecções do corpo humano.
Digo: 1º Que é um encadeamento dessas ideias apenas que envolvem a natureza das coisas que estão fora do corpo humano, mas não das ideias que explicam a natureza dessas mesmas coisas; dado serem na realidade (segundo a proposição 16) ideias das afecções do corpo humano, que envolvem a natureza tanto deste como dos corpos exteriores.
Digo: 2º Que esse encadeamento se faz segundo a ordem e o encadeamento das afecções do corpo humano, afim de o distinguir do encadeamento das ideias que se faz segundo a ordem do entendimento, pelo qual o espírito percebe as coisas nas suas causas primeiras e que é o mesmo em todos os homens.
E deste modo compreendemos claramente porque passa o espírito logo do pensamento de uma coisa ao pensamento de uma outra coisa que não tem nenhuma semelhança com a primeira; assim, por exemplo, do pensamento da palavra pomum, um romano passa logo ao pensamento de um fruto que não tem nenhuma semelhança com este som articulado, e que nada tem de comum com ele, senão o facto do corpo deste homem ter sido muitas vezes afectado por estas duas coisas, ou seja, que este homem ouviu muitas vezes a palavra pomum enquanto via o próprio fruto. E assim cada um passará de um pensamento a um outro segundo tenha o hábito ordenado as imagens das coisas nos corpos de cada um. Com efeito, um soldado, por exemplo, ao ver sobre a areia os traços de um cavalo, passará logo do pensamento do cavalo ao pensamento do cavaleiro, e daí ao pensamento da guerra, etc. Mas um camponês passará do pensamento do cavalo ao pensamento de uma charrua, de um campo, etc.; e assim cada um, segundo se tenha acostumado a juntar e encadear as imagens das coisas de uma forma ou de uma outra, passará de um pensamento a tal ou a tal outro. »

Espinosa, Ética II, Prop. XVIII, Escólio

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