Estranho, verdadeiro, Herzog | Weird, true, Herzog
«Offscreen: De volta às imagens. Nos seus filmes existem muitas imagens ou momentos que, apesar de às vezes muito simples, ficam connosco depois. Queríamos mencionar alguns deles. No final do documentário Na terra do silêncio e da escuridão, o homem cego, surdo e mudo afasta-se e a sua mãe diz: "Lembro-me que um dia pôs a mão sobre a neve e disse a palavra 'neve'". Werner Herzog: E foi a última palavra que alguma vez disse! Offscreen: E isso ainda ressoa. Parece dizer muito sobre o seu trabalho em geral e sobre uma certa relação ao mundo através dos nossos sentidos... Werner Herzog: Sim, e o que se segue em particular, quando deixa o grupo vai de encontro a uma árvore, começa a tocar a árvore e tenta perceber os ramos dela. É o fim do filme. Quando o narramos assim, é um homem que é surdo e cego a tocar uma árvore, é sem consequência, não tem poder. Mas, num filme que trabalha quase uma hora e meia em direcção àquela imagem, sensualiza-a, de súbito torna-se algo muito muito grande. E é misterioso como o cinema funciona em relação a isto. É a colocação de um plano que o torna tão importante e tão altamente significante. | «Offscreen: Coming back to images. In your films there are many images or moments, although sometimes very simple, that stay with us afterwards. We wanted to mention a few. At the end of the documentary Land of Silence and Darkness, the blind, deaf and mute man is walking away and his mother says: “One day I remember he put his hand in the snow and said the word ‘snow’”. Werner Herzog: And that was the last word he ever said! Offscreen: And that still resonates. It seems to say a lot about your work in general and a certain relationship to the world through our senses… Werner Herzog: Yes and what follows in particular, when he breaks away from the group he runs into a tree, starts to touch the tree and attempts to figure out it’s branches. That’s the end of the film. When you narrate it like this, it’s a man who is deaf and blind and touching a tree, it is of no consequence, it has no power. But, in a film that works almost one and half-hours towards that image, sensualizes it, all of a sudden it becomes something very very big. And it is mysterious how cinema works in that respect. It is the placement of a shot that makes it so important, and makes it highly significant. |
Land des Schweigens und der Dunkelheit (1971) É como o fim de Stroszek, por exemplo, com a galinha dançante. Mas, na altura, a equipa técnica ou quase todos nas filmagens odiaram o filme de tal forma que por fim o director de fotografia se recusou a filmá-lo (ao plano) e disse: "Vamos almoçar agora, se queres filmar essa merda." E eu disse: "Vou filmar esta merda, claro". E tentei dizer-lhes. "Não percebem que há algo muito muito grande aqui?" E ninguém o via. Era mesmo grande. Ainda é uma das melhores coisas que filmei na minha vida.Offscreen: É um dos finais mais bonitos de um filme... Werner Herzog: Até a equipa que eu paguei e que me era leal entrou em greve. Offscreen: Estava a cena no guião inicialmente? Werner Herzog: Não me lembro. Acho que estava no guião. Sim! Acho mesmo que estava no guião. Mas não tenho a certeza absoluta, devia dar uma vista de olhos no guião. Offscreen: E uma coisa sobre essa cena é uma rara ocorrência de montagem intercalada de diferentes coisas que ocorrem simultaneamente, de Bruno nas montanhas aos animais (galinhas, patos, coelhos) dançando e tocando música e para o camião a arder andando aos círculos lá fora. Normalmente, as suas cenas são segmentos bastante largos, passados num local, numa situação, frequentemente tomadas longas... Werner Herzog: Sim, mas os animais dançam ainda algum tempo, portanto agarramo-nos a isso. O problema era que as galinhas não dançavam mais do que 15 segundos e depois retiravam-se. Colocamo-las em treino especial para que dançassem tanto quanto pudessem. Quando se punha uma moeda na máquina, a música tocava e a galinha dançava. Como recompensa recebia algum milho. Estavam acostumadas a dançar entre 3 a 5 segundos. Mantive-as em treino por uns par de meses para que dançassem tanto quanto pudessem. Mas só dançavam durante 15 segundos. O problema é que não me conseguia safar com um final que fosse um plano de 15 segundos. Tinha bastantes planos desses e tive que os juntar. Ficava sempre um jump cut. Portanto, também havia razões técnicas por trás disso. Muitas vezes não é uma ideologia ou algo parecido que está por trás de alguma coisa. » | It’s like the end of Stroszek, for example, with the dancing chicken. But then, the technical crew or almost everyone on location hated the film so much that ultimately the cinematographer refused to shoot it (the shot) and said: “We are going for lunch now if you want to film that shit.” And I said: “I’m gonna film that shit, sure.” And I tried to tell them. “Don’t you see there’s something very very big here?” And nobody saw it. It was really big. And it’s still one of the best things I ever filmed in my life. Offscreen: That’s one of the most beautiful endings of a film… Werner Herzog: Even the crew that I paid and who were loyal to me went on strike. Offscreen: Was that scene scripted initially? Werner Herzog: I do not remember. I believe it was scripted. Yes! I do believe it was scripted. But I’m not absolutely sure, I should have a look at the screenplay. Offscreen: And one thing about that scene, it is a rare occurrence of inter-cutting different things happening simultaneously, from Bruno on the mountain to the animals (chickens, ducks, rabbits) dancing and playing music and to the truck on fire making circles outside. Usually your scenes are rather large segments, set in one space, one situation, often shot in long takes.... Werner Herzog: Yes but the animals dance for quite a while so you hang on to that. The problem was that the chickens wouldn’t dance for more than 15 seconds and then they would retreat. We had them in special training for dancing as long as they could. When you fed a quarter into the machine, the music would play and the chicken would dance. And as a reward it would get some corn. They were accustomed to dancing for 3 to 5 seconds. Now I held them in training for a couple of months to dance as long as they could. But they would only dance for 15 seconds. The problem is, I couldn’t get away with an ending that was a 15 second shot. I had quite a few of those shots and I had to add them together. There was always a jump cut. So there were technical reasons behind it as well. Very often it’s not an ideology or so that’s behind something. » Werner Herzog, «The Trail of Werner Herzog: An Interview» by Nicolas Renaud, André Habib, Simon Galiero, Offscreen, 2003 Stroszek (1977) Werner Herzog Sáb, dia 3, 18h30 - Malaposta, Odivelas |