dentro do lado de fora
um rapaz caminha em direcção a um edifício. percorre os corredores, entra no recinto da piscina, abre e fecha portas à procura. quando encontra o homem das limpezas nos lavabos dispara sobre ele sem hesitação. a câmara fica em suspenso fixando o corpo morto atirado contra um canto. o rapaz sai para a rua e desaparece numa esquina.
a sequência cinge-se ao movimento do assassino, o assassinato, o assassinado, o movimento de fuga do assassino. é apenas isto que vemos e é apenas isto que sabemos. o que dá a sensação de que não há mais nada para saber, de que se trata de um gesto gratuito. o assassinato resume-se ao ter-se dado e o que disso resta é um corpo morto no espaço. esta é a primeira sequência e é a que instala o filme. no entanto, a dado momento aparecem dois assassinos. o facto de serem dois leva-nos a pressupor um entendimento, isto é, um momento anterior que se precipita naquele que assistimos. mas o filme não cede, permanece à mesma distância, assistimos sempre do mesmo sítio, mesmo quando há, de repente, a aparição de um jogo de futebol e há uma conversa.
sabemos, desde cedo, que o filme vai ser uma série de assassinatos onde estamos sempre do lado de fora, isto é, nenhum contexto nos põe dentro, há uma distância insuperável. esta crueza produz uma abstracção onde somos afectados directamente. não há nenhuma narrativa que nos entretenha, que nos resguarde. o filme instala uma opacidade narrativa que faz cessar a interpretação e é numa espécie de secura que assistimos morte atrás de morte, todas elas descarnadas de razões. a impossibilidade de uma expectativa narrativa esvazia-nos de perguntas, ficamos unicamente atentos ao acontecimento em bruto. estamos longe, sempre deslocados e a única coisa que esperamos, atentos, é ver o modo como aquele corpo cede ao seu peso morto, como a cara se distorce e se fixa num último esgar, como o sangue mancha a parede, como a morte produz uma vibração no espaço.
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