Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Louvor ao estilo, III

«[...] uma obra de arte não é a concretização de um estilo, é da ordem da relação com os outros e com as coisas. Uma relação não se ensina. [...] “o estilo [é] por si só uma maneira absoluta de ver as coisas”. O interessante desta frase está na indiscernabilidade entre estilo e maneira de ver: não há uma maneira de ver anterior ao estilo e que nele se actualiza, mas também não há estilo sem maneira de ver, o estilo é já maneira de ver e não conjunto de traços formais. É “experiência” de escrita porquanto escrever é uma maneira de ver, algo de individual e de não idêntico, encontro entre a sensação e o espírito, enquanto operação enigmática, indecifrável. »
Silvina Rodrigues Lopes, «Estilo, génese e exemplaridade» [sublinhado meu], 
A anomalia poética, Vendaval, Lisboa, 2005, pp. 118-120. 

[A frase sublinhada, e em geral estes "louvores", contradizem – um pouco, muito? é o tenho de pensar – algo que escrevi, um pouco mais abaixo, assim:
«Partindo da ideia de que os realizadores, nos melhores casos, compõem sistemas cinematográficos de grande complexidade [...] a apropriação directa de um determinado elemento estilístico de outro realizador pode impedir a construção solidária dos vários elementos que poderão vir a constituir um estilo cinematográfico original. [...] Um modo privilegiado de constituição de um estilo é precisamente o conjunto de definições propriamente técnicas, que não meramente formais, que se traçam sobre os materiais à escolha»...
Poder-se-iam encontrar "verdadeiros" louvores ao estilo, provavelmente tão sérios quanto estes, e não estou certo de que menos eficazes; mas o problema passa antes por saber que há que definir um conceito, neste caso, o de "estilo"; depois, por saber se ele ainda serve para alguma coisa, se se adequa à nossa experiência. não só as palavras não nascem dadas como têm de estar sempre a ser trabalhadas. não só as palavras, também as ideias, os afectos, etc. É por isso, aliás, que é muito mais produtivo confrontar-nos a quem diz algo que, mesmo negando as nossas palavras (neste caso, o "estilo"), se aproxima tanto do que procuramos, muito mais do que aos que amavelmente as confirmam. Afinal, como discordar ao mesmo tempo de Straub, Herberto, Michaux ou de Silvina Rodrigues Lopes?]

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