Ao pé da letra #194 (António Guerreiro): Política e estultícia
Ao excesso de análise e comentário político corresponde a falta de uma etologia dos políticos. Só um observador munido com um olha de etólogo, mesmo desprovido de sofisticados instrumentos científicos, consegue identificar comportamentos e temperamentos que o meio político atrai e estimula. Um desses temperamentos que definem uma tipologia muito comum no meio político é uma forma de estupidez específica, não exatamente igual à estupidez que está por todo o lado (e a pretensão de denunciá-la não escapa à regra). Se é fácil perceber que a estupidez está tão bem representada nos ambientes políticos (que a forte exposição pública potencializa e evidencia), devemo-nos no entanto abster de considerar que tais representantes também são estúpidos na sua vida ‘civil’. A estupidez é aqui uma figura, uma Gestalt, a que muitos políticos dão forma. | Como é que se define o tipo político do estúpido, que nos é tão familiar? Ele identifica-se, antes de mais, com a noção antiga de estultícia, a que os estoicos deram tanta importância. O político estulto tem uma eloquência que só conhece duas características, aliás complementares: a vacuidade e o espírito despótico. Neste sentido, ele é o legítimo herdeiro do rei idiota de Lacan. Este tipo de estupidez define-se também pelo entusiasmo, o que lhe confere o ar feliz de quem vive à superfície das coisas e segue com uma força irreprimível, como se fosse movido por mecanismos repetitivos ou induzido a parecer mais estúpido do que é. Certas formas de estupidez fazem rir, mas na política a estupidez é completamente alheia ao riso e ao espírito comediante. Ela está do lado da obstinação, do ter sempre razão. Barthes dizia que a estupidez é recalcitrante e chamava-lhe a Coisa. E contra a Coisa não há nada a fazer, porque é dura e resistente como o granito, “mesmo os deuses não podem combatê-la”, dizia Schiller. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 2.6.2012. |
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