Que o problema de como pensar a figura inoperante da divindade representa, na teologia cristã, uma verdadeira e específica crux, é provado pela dificuldade com que, desde Santo Irineu e Santo Agostinho, se deparam as tentativas de responder à pergunta blasfema por excelência: «Que fazia Deus antes de criar os céus e a terra? E se não fazia nada, porque não continuou sem fazer nada como antes?». Já Santo Agostinho [...] menciona também a resposta irónica — que denuncia, na verdade, um insuperável embaraço: «Preparava o inferno para aqueles que fazem perguntas demasiado profundas» [...]. Doze séculos depois, como testemunho da persistência do problema, Lutero retoma-a sob a forma: «Estava num bosque, talhando vergas para açoitar a quem faz perguntas impertinentes.» A pergunta — que provém, não por acaso, de pagãos e de gnósticos, aos quais não colocava qualquer dificuldade — era particularmente embaraçante para os cristãos, precisamente por a economia trinitária ser essencialmente uma figura da ação e do governo. Ela corresponde perfeitamente, a parte ante, à pergunta sobre o estado não apenas de Deus, mas também dos anjos e dos beatos depois do fim do mundo. A glória é então aquilo que deve cobrir com o seu esplendor a figura inarrável da inoperância divina. Ainda que se possam com ela preencher [...] volumes inteiros, a theologia gloriae é, por assim dizer, uma página em branco do discurso dos teólogos. É por isto que a sua forma mais própria é a mística, a qual, defronte à figura gloriosa do poder, não pode senão calar. [...]
A evacuação dos ministérios angélicos depois do Juízo Final mostra que o governo divino do mundo está constitutivamente a prazo, que a economia teológica é essencialmente finita. O paradigma cristão do governo, tal como a visão da história que dele é solidária, dura da criação ao fim do mundo. A concepção moderna da história, que recolhe em muitos aspectos sem beneficio de inventário o modelo teológico, encontra-se por isto numa situação contraditória. Por um lado, ela abole a escatologia e prolonga ao infinito a história e o governo do mundo, por outro, vê constantemente reemergir o carácter finito do próprio paradigma [...].
| O princípio segundo o qual o governo do mundo cessará com o Juízo universal conhece, na teologia cristã, uma única e importante exceção. Trata-se do inferno. Na questão 89 [da Summa Theologiæ], São Tomás de Aquino pergunta-se, com efeito, se os demónios levarão a cabo a sentença dos danados [...]. Contra a opinião daqueles que consideravam que, com o Juízo Final, cessam todas as funções de governo e todos os ministérios, São Tomás afirma, ao contrário, que os demónios desenvolverão eternamente a sua função judiciária de executores das penas infernais. Como tinha sustentado que os anjos deporão os seus ministérios, mas manterão para sempre a sua ordem e a sua hierarquia, assim escreve agora que «será conservada uma ordem das penas e os homens serão punidos pelos demónios, de modo a que não seja aniquilada integralmente a ordem divina, que instituiu os anjos como intermediários entre a natureza humana e a divina (...) os demónios são os executores da justiça divina no que diz respeito aos malvados» [...]. O inferno é, então, o lugar no qual o governo divino do mundo sobrevive eternamente, ainda que sob uma forma puramente penitenciária. E enquanto os anjos no paraíso, apesar de conservarem a forma vazia da sua hierarquia, abandonarão toda a função de governo e já não serão ministros, mas apenas assistentes, os demónios são, ao contrário, os ministros indefectíveis e os carnífices eternos da justiça divina. Isto significa, no entanto, que, na perspectiva da teologia cristã, a ideia de um governo eterno (que é o paradigma da política moderna) é propriamente infernal. E, curiosamente, este eterno governo penitenciário, esta colónia penal que não conhece expiação, tem um inesperado desenlace teatral. Entre as perguntas que São Tomás se coloca a propósito da condição dos beatos, está a de saber se eles podem ver as penas dos danados [...]. Ele dá-se conta de que o horror e a turpitudo de um semelhante espetáculo não parecem convir aos santos; todavia, com um candor psicológico perante as implicações sádicas do seu discurso, que para nós modernos não é fácil de aceitar, afirma sem reservas que «afim que os beatos se possam melhor comprazer na sua beatitude (...) é-lhes concedido ver perfeitamente as penas dos ímpios» [...]. E não só. Neste atroz espetáculo, os beatos, e os anjos que com eles o contemplam, não podem sentir compaixão, mas apenas gozo, dado que a punição dos danados é expressão da ordem eterna da justiça divina [...]. O «esplendor dos suplícios», de que Foucault mostrou a solidariedade com o poder do Ancien régime, tem aqui a sua eterna raiz.
Giorgio Agamben, «Angelologia e burocrazia», Il Regno e la Gloria. Per una genealogia teologica dell’economia e del governo (Homo sacer, II, 2), Neri Pozza, Vicenza, 2007, pp. 179-182. |