Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Expoentes críticos | Critical exponents (O período cor-de-rosa | The pink period #1.9)

Se houve uma pequena irmandade de cineastas – a Nouvelle Vague – que chegaram necessariamente tarde, porém se reconheceram na “impossibilidade de fazer o cinema que [lhes] tinha dado vontade de o fazer” (Godard), haverá também uma outra, cujo magistério pertence sem dúvida ao crítico Serge Daney: a dos que afinal se viram na impossibilidade de ver o cinema da mesma maneira, sem a doce inocência do cinema clássico nem sequer já com as esperanças abertas do primeiro cinema moderno, aqueles que aterraram directamente no cinema irremediável, que no entanto souberam ainda amar. Aquele que vem depois — Serge Daney — como o decano dessa comunidade lutuosa, é também a prova de como a cinefilia não se sustenta necessariamente no exclusivo da fruição cinematográfica, mas pode ter igualmente uma expressão literária.
O género crítico suscita muitas expectativas, filmes por que se passa a esperar e de já se gosta mesmo antes de se os ver, como que por um processo de osmose da ansiedade. A tardo-modernidade tem também os seus grandes expoentes críticos e criadores de ânsias cinéfilas, que devem ser nomeados: a verdadeira súmula crítica, melancólica e severa, dos excessivos anos 70, é La rampe de Serge Daney; e L’image-temps de Gilles Deleuze – livro de filosofia muito e mal lido, cuja incompreensão tem negligenciado, em prol do papaguear dos grandes conceitos abrangentes de natureza ontológica, o nível discreto mas constante de leitura parcial de certos filmes bem concretos –, indiscutivelmente posicionado na linhagem da grande tradição crítica dos Cahiers du cinéma, a saber, a de uma soberania imanente do cinema que estende à dimensão vizinha de pensamento.

[fim do #1; continua]

If a small brotherhood of filmmakers — the French New Wave — arrived necessarily late, and nevertheless acknowledged the “impossibility of doing the cinema that had gave [them] the urge to do it” (Godard), there is also another one, whose magisterial position belongs to the film critic Serge Daney: of those who were in the impossibility of seeing cinema the same way — without the sweet innocence of classical cinema nor even the opened hopes of the first modern cinema —, those who landed directly on the irreparable that, notwithstanding, they managed to love. The one who comes after — Serge Daney, dean of that mournful community... and also the proof that cinephilia doesn’t stand solely in exclusive cinematic fruition, but can also have a literary expression.
The critical genre bestirs lots of expectations: films one starts wishing for and already loves before seeing them, as if by a process of anxiety osmosis. Late modernism has also its great critical exponents, those creators of cinephile expectations that should be named: so melancholically harsh, the true critical summa of those excessive 70’s is Serge Daney’s La rampe; and there is also this very badly read philosophy book — Gilles Deleuze’s The time-image — whose common misunderstanding has neglected — in favour of a babble repeating those big overreaching concepts of ontological nature — the subtle but constant partial readings of certain films, thus also clearly positioned in the lineage of the great critical tradition of the Cahiers du cinéma, i.e., of the immanent sovereignty of cinema extending to the vicinity of the dimension of thought.

[end of #1; to be continued]

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