Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #85 (António Guerreiro)

Sobre o mito do escritor e o seu direito ao prosaísmo 
«Todos os anos, em Fevereiro, por via das Correntes D'Escritas, a Póvoa do Varzim torna-se uma reserva exótica de ‘vida literária’. Das reportagens do acontecimento, podemos deduzir que a cidade se transforma, durante quatro dias, num parque temático. O tema é nobre: a literatura; nobres são também, da categoria outrora designada como ‘homens de espírito’, os que povoam o parque: os escritores. Mas, nas descrições do acontecimento, o que aparece sublinhado são as actividades prosaicas desta corporação de espíritos, o modo como se entregam, com excepcional talento e sentido do espectáculo, a habilidades mundanas.

Dir-se-ia que as questões diletantes que lhes são propostas para discutir (do tipo “O poeta é um predador”, ou “Escrevo para desiludir com mérito”) são prolongamentos da arte do lazer, exibida publicamente não como quem desce do pedestal mas como quem nele se ergue ainda mais alto. Em tempos, Barthes explicou tudo isto numa das suas mitologias, “O Escritor em Férias”, onde mostrava que o estatuto de prestígio que a sociedade concede ao escritor — o mito do escritor — se reforça nesta “aliança espectacular de tanta nobreza e tanta futilidade”.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 6.3.2010.

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