Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #71 (António Guerreiro)
«Sobre manobras editoriais e cauções impudentes
Quem quiser ler “A Consciência de Zeno” de Italo Svevo – um dos grandes romances do séc. XX –, tem à sua disposição uma edição portuguesa saída recentemente (Dom Quixote). O leitor que não gosta de ser tratado como um menor sob tutela não deixará de se irritar com o facto de o livro lhe chegar por via da “Biblioteca Lobo Antunes”, como se lê na capa, em letras pouco discretas. Pode parecer inócuo, ou apenas provinciano, mas editar Svevo com a ostensiva caução de um escritor contemporâneo é ridículo e faz com o que livro se apresente como uma traficância.

Mas, transposta esta porta onde não deveria figurar  senão o nome do autor, coisas muito mais terríveis nos esperam: uma tradução infame que atraiçoa o texto original em cada página ou mesmo em cada frase, além de suprimir os títulos dos capítulos. Trata-se da reedição de uma tradução já antiga, apenas submetida “a uma mera actualização ortográfica” (adverte o editor como quem nos assegura que não nos está a privar de uma obra genial de tradução). Terá sido nesta tradução que Lobo Antunes leu o romance de Svevo? Ou leu-o no original e aconselha esta edição à ralé?»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 21.11.2009.

Ao pé da letra #70 (António Guerreiro)
«Sobre a vida dos livros que não precisam de ser lidos
Restabelecida a acalmia, depois da tempestade de comentários, opiniões e declarações provocados por um romance pícaro feito de matéria narrativa do Antigo Testamento (“Caim”, de seu título), podemos agora retirar algumas conclusões: 1) um livro pode tornar-se polémico mesmo antes de ser lido; 2) a condição para que um livro tenha uma existência alargada no espaço público é o facto de não precisar de ser lido para se falar nele, porque o importante é aquilo que o parasita: a pessoa do autor, as circunstâncias em que é escrito; a matéria temática que o envolve;

3) os autores dos livros que não precisam de ser lidos concorrem zelosamente para que eles tenham uma vida precária que não implica a leitura, confirmando o que sabemos desde Flaubert mas é hoje de uma enorme evidência: é preciso salvar os livros de quem os escreve; 4) um livro torna-se publicamente ‘interessante’ e poderoso na medida em que consegue curto-circuitar a leitura e a crítica, sendo a sua vida gloriosa assegurada por rumor; 5) os autores dos livros que têm uma existência ostensiva mas não precisam de ser lidos têm cada vez menos autonomia relativamente aos mecanismos da indústria editorial.»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 14.11.2009.

Ao pé da letra #69 (António Guerreiro)
«Sobre roubos da linguagem e os seus efeitos
Pensar é inventar conceitos; restituir o rigor das palavras; retirar-lhes as cristalizações ideológicas e do senso comum e obrigá-las a abrir horizontes. Consideremos este exemplo: numa entrevista recente, o filósofo Boris Groys fazia o louvor da ‘estagnação’ como factor que tornava possível arranjar espaço seguro para reflectir e sonhar. Deste ponto de vista, o que é negativo é a ideologia do desenvolvimento e a corrida imparável a que ela obriga; a carástrofe não é a estagnação, mas que o mundo siga o seu curso. Hoje, hoje já não é preciso uma filosofia da história, como a do positivismo do século XIX, para acreditar que a estagnação é um mal. Bastam as leis da economia que nos regem.

E, no entanto, esta lógica implacável afigura-se um desastre de que todos estamos conscienters mas ninguém sabe como suspender. A operação salvífica tem de ser semântica e consistir numa restituição da linguagem de que fomos espoliados: a ‘crise’ deve ser resgatada do território da economia, onde se alojou quase em exclusivo, e ‘estagnação’, como mostra Boris Groys, pode ser a condição a que aspiramos. Mas, para isso, precisamos de reconquistar a palavra a quem a roubou.»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 7.11.2009.

Raros filmes de Novembro


A comédia de Deus
João César Monteiro

1995, 165’
Cinematografia – teatralidade
(prog. Pierre-Marie Goulet, Teresa
Garcia e Ricardo Matos Cabo)
Festival Temps d'Images
4ª, dia 4, 22h
Cinemateca*, Lisboa
com a presença de Margarida Gil,
Adolfo Arrieta e Pierre Léon


La chienne
Jean Renoir

1931, 100’
Cinematografia – teatralidade
5ª, dia 5, 19h30 – Cinemateca
com a presença de Cyril Neyrat


Day of the outlaw
André de Toth
1959, 92’
Cinematografia – teatralidade
6ª, dia 6, 19h30 – Cinemateca
com a presença de Pierre Léon


El ángel exterminador
Luís Buñuel
1962, 95’
Cinematografia – teatralidade
6ª, dia 6, 22h –
Cinemateca
com a presença de Jean Breschand,
Regina Guimarães e Saguenail


Videodrome
David Cronenberg
1983, 87’
Homenagem David Cronenberg
Estoril 2009*

Sáb, dia 7 (8), 00h30
Casino Estoril
Encontro com David Cronenberg
3ª, dia 10, 21h30
Centro de Congressos, Estoril


Lola Montès
Max Ophüls
1955, 110’, cópia restaurada
O cinema e a sua história
Estoril 2009

2ª, dia 9, 12h30
Centro de Congressos, Estoril


The life of Juanita Castro
Andy Warhol
1965, 65’
Cinematografia – teatralidade
2ª, dia 9, 22h – Cinemateca
com a presença de Luís Miguel Oliveira


Rabid
David Cronenberg
1976, 91’
Homenagem David Cronenberg
2ª, dia 9, 23h15 – Casino Estoril
Marilyn Chambers e o porno
dos anos 70
4ª, dia 25, 19h – Cinemateca


Le roi de l'évasion
Alain Guiraudie
2009, 99’
Estoril 2009
4ª, dia 11, 17h30
5ª, dia 12, 21h45
Centro de Congressos, Estoril


Berlin Express
Jacques Tourneur
1948, 86’
4ª, dia 11, 19h – Cinemateca


Die linkshändige Frau /
A mulher canhota
Peter Handke
1978, 119’
Estoril 2009
4ª, dia 11, 19h30
Centro de Congressos, Estoril
seguido de encontro com Peter Handke


To be or not to be
Ernst Lubitsch

1942, 99’
Cinematografia – teatralidade
4ª, dia 11, 19h30 – Cinemateca

Opening night
John Cassavetes

1977, 140’
Cinematografia – teatralidade
4ª, dia 11, 21h30 – Cinemateca


Shivers
David Cronenberg
1975, 87’
Homenagem David Cronenberg
4ª, dia 11 (12), 00h15
Casino Estoril


El sol del membrillo
Victor Erice
1992, 133’
Cineastas raros
Estoril 2009
6ª, dia 13
, 12h
Centro de Congressos, Estoril


Louis Lumière
Eric Rohmer
1966, 66’
4ª, dia 18, 22h – Cinemateca


Ukigusa / Ervas flutuantes
Yasujiro Ozu
1959, 110’
Sáb, dia 21, 21h30 – Cinemateca


Cría cuervos
Carlos Saura
1975, 110’
História permanente do cinema
Sáb, dia 28, 15h30 – Cinemateca


[apenas filmes vistos, sem repetições, em suportes originais]

«Se podemos pensar nisto como uma superação da teoria filosófica, gostaria de salientar que o modo de superar a teoria correctamente, filosoficamente, é deixar o objecto ou a obra que nos interessa ensinar-nos como a tomar em consideração. [...] Os filósofos assumem naturalmente que é uma coisa, bem clara agora, deixar uma obra filosófica ensinar-nos como a tomar em consideração, e outra coisa, e bem obscuro o como e o porquê, deixar um filme ensinar-nos isso. Acredito que não são coisas assim tão diferentes.»
«If one may think of this as an overcoming of philosophical theory, I should like to stress that the way to overcome theory correctly, philosophically, is to let the object or the work of your interest teach you how to consider it. [...] Philosophers will naturally assume that it is one thing, and quite clear now, to let a philosophical work teach you how to consider it, and another thing, and quite obscure how or why, to let a film teach you this. I believe these are not such different things.»

Stanley Cavell, «Words for a conversation», Pursuits of Happiness. The Hollywood Comedy of Remarriage, Harvard UP, Cambridge MA, 1981, pp. 10-11.


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