Filmes sobre filmes
Os filmes precisam de um exterior para que remetam: a vida... Os filmes, aliás, todas as obras de arte, e mesmo as pessoas, sem esse exterior tornam-se sufocantes. Como se explica então que filmes sobre filmes nos cativem? Não seria o deles um exterior quase por delegação: um filme remete para outro que remete para um exterior? Ou é já esse exterior que os atravessa de par em par? Em todo o caso, é preciso muita fé no próprio cinema enquanto matéria viva do mundo, e não apenas reflexo deste, para fazer um filme sobre um filme. Quem tenha visto os filmes sobre filmes de Jean-Luc Godard, em particular as suas HISTOIRE(S) DU CINÉMA, terá reparado no curioso efeito que provocam. Reinvestem de esplendor cada pedaço de filme outro, tornando, na nossa memória alegremente confusa, inseparáveis os filmes originais das suas evocações. Assim DUEL IN THE SUN de King Vidor, com a Jennifer Jones e o Gregory Peck, aos tiros e beijos até à morte num monte poeirento. E outros que tais... | Se a programação é a arte de arranjar desculpas para programar bons filmes, os filmes sobre filmes, quando conseguidos, são os extremos da emancipação do cinema. No ciclo “Histórias do cinema por si próprio”, programado por Ricardo Matos Cabo, tivemos a oportunidade de conhecer um outro grande expoente dessa magia: o documentarista alemão Hartmut Bitomsky. Neste seu DAS KINO UND DER TOD / O CINEMA E A MORTE (1988), em que por oposição aos seus filmes sobre filmes seguintes, o dispositivo ainda é aparentemente rudimentar, baseado na passagem à mão de fotografias dos filmes, é incrível o exterior que passa. Como nos generosos livros de Deleuze, em que fica imediatamente a apetecer ler cada obra de literatura citada, cada filme em que Bitomsky toca, mesmo sob o tema pesaroso da “morte”, ganha um fascínio súbito, vital, e até, porventura, enganador. Poderemos comprová-lo hoje quando virmos o filme sobre o qual se exercita este excerto. The killers (1964) Don Siegel 6ª, dia 12, 22h – Cinemateca, Lisboa |
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