Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

A forma do novo (cont. IndieLisboa 2008: #14)

Entrava no Maxime, onde decorria um debate nocturno com José Luis Guerín, o realizador catalão de EN CONSTRUCCÍON, e José Manuel Costa, especialista de documentário. Vinha bastante animado, pois, ainda sob o efeito do filme CHARLY de Isild le Besco, tinha também revisto ROZ, do jovem realizador grego Alexander Voulgaris, a quem acabava igualmente de entrevistar. Estas lufadas de ar fresco cinematográfico tinham-me inspirado. É a surpresa, não a confirmação, que faz o alimento.
Invulgar, mas desejado, este estado de ânimo advinha do inesperado, do facto dessas obras, na sua particular estranheza e, numa delas, aparente amadorismo, terem conseguido consolidar uma expressão cinematográfica tão forte, tão inequívoca. Encontrei nelas mais uma evidência de que o gesto cinematográfico original nasce, mesmo que não por geração espontânea, numa liberdade imanente, que não tem de ser, nem é manifestamente nestes casos, demasiado constrangida por regras e ditames éticos e formais extrínsecos. Ou seja, (como escrevi confusamente uma vez no texto programático que inaugurou este blogue,) um sistema de realização, o gesto original de um autor, é algo de sumamente complexo, mas que parece obedecer a regras próprias intrínsecas, imanentes à obra, e não ao que circula, explicita ou tacitamente, de coercivo na sua margem.
Esta impressão tornou o discurso do debate que presenciava naquela noite, de (e em torno de) Guérin, já de si solene e pesado, bastante exasperante. Por contraste, que valor raro tomavam aquelas intuições jovens tornadas filmes, evidentemente chegadas à pele dos realizadores ainda isentos de cansaço. Este discurso, por sua vez, atingia pontos de maior esterilidade quando se concentrava nas dificuldades, facilidades e, por consequência, nos interditos que a actividade cinematográfica inevitavelmente (?) comporta.
Não será precisa cautela com tanta saliência de ditames éticos, tantas vezes precoces, especialmente na sua relação aos formais, por haver o perigo de que, em vez de criarem uma inteligibilidade geral dos gestos cinematográficos, possam apenas encarnar o discurso do seu sufoco, da própria esterilidade? Qual é afinal a génese do novo, que forma toma? Não cria a obra, no momento em que se compõe, a sua própria ética, obviamente mantendo relações com o exterior?
Saber se uma obra obedece ou não aos ditames, mais ou menos sofisticados, que circulam à volta do âmbito da sua recepção, mas que aparentam já ter perdido o contacto com a sua singularidade criada, talvez seja afinal bem menos importante que manter os olhos abertos para a aparição de outras, com as suas novas éticas imanentes. De que estamos, aliás, bem precisados.

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