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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Notas demasiado soltas (IndieLisboa 2008) #12: Interferências passado-presente

Ao longo de PROFIT MOTIVE AND THE WHISPERING WIND de John Gianvito somos lentamente levados, por uma acumulação serial de planos, à presença perante inúmeros monumentos fúnebres e históricos evocativos de várias lutas progressistas na América do Norte, como as sindicais, dos camponeses, dos índios, dos mineiros, etc., intercaladas com o vento a bater nas árvores. Em certos momentos, a delicadeza da aproximação lembra-nos as derivas informadas de Sebald, por entre os campos onde a memória histórica vive enterrada.
No entanto, quase no final do filme, um corolário, que o realizador terá julgado necessário, que talvez até seja a verdadeira motivação de tudo o que o precedeu, irrompe pelo filme adentro, e destroça em parte a subtileza acumulada da aproximação. Esta, apesar de serial, era delicada e não panfletária. O final apresenta de rompante uma série de lutas contemporâneas para as quais nos tenta motivar, como a contra a Guerra do Iraque, pelos direitos das minorias, etc.
O modo como a interferência passado-presente se estabelece, entre a evocação lenta destas lutas passadas, que nos tinham sido duramente tornadas próximas, e a apresentação súbita daquelas lutas presentes, é muito problemático. É inevitável que, na construção do filme, sejam as lutas presentes que nos apareçam como um corolário distante, com uma evidência nada clara. O trabalho da sua composição baseava-se num passado, obviamente relevante para o presente, mas que não é passível, se calhar infelizmente, de tradução automática no presente.
Há uma não-relação significativa entre estas duas espessuras, mesmo que sentimental e politicamente seja legítimo aproximá-las. O ponto, por demais difícil, do estabelecimento desta relação é indefinível, como um laço invisível por descobrir, que não pode, por muito que nos custe (a nós, povo de esquerda), ser estabelecido à partida.
É preciso não pressupor o passado, que é pelo menos tão opaco, tão impossível de cingir como o presente. As coisas muito antigas, mas esquecidas, que a revolução tem que repor, de que fala Straub citando Péguy, não se dão facilmente. Não respondem a meros apelos comovidos ou comoventes. Principalmente, não se sabe precisamente quais elas são antes de começar a fazer a revolução. Por isso teremos que nos contentar com outras interferências passado-presente, mais subtis mas nem por isso duvidosas, que podem ser mais produtivas, pois o seu potencial de repercussão é imenso. Como as de Pedro Costa em A CAÇA AO COELHO COM PAU, por exemplo, em que dois homens verdadeiramente antigos, não apenas velhos – Ventura e Alberto, evocam a pobreza, enquanto olham por entre as frestas para a rua, num vão de escada arquitectonicamente sofisticado, mas traço de um presente inadequado, imposto por força, que não deixa ver a paisagem. De resto, talvez a paisagem não se dê a ver senão no passado.

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