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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #1 (António Guerreiro)

«A epifania da verdade, na versão de Pacheco Pereira

José Pacheco Pereira, comentando, no Público do passado sábado, os procedimentos dos realizadores do programa da RTP onde foi entrevistada Manuela Ferreira Leite: “Durante grande parte do tempo, o rosto nem cabia no ecrã, de tão próximo estava o olhar da câmara”. Mas “há um Deus especial que protege os bons e faz a escrita do mundo pelas linhas tortas dos maus”, de tal modo que “aquela face desprovida de qualquer defesa, exposta ao escrutínio (...) dos espectadores, transmutou-se numa beleza muito especial, muito rara – a da verdade”.
Leitor de Weber, JPP poderia ter identificado o carisma de MFL. Mas não, ele assistiu a uma epifania da “aura”, a um modo de aparição que distancia o objecto por mais próximo que ele esteja. Esta distanciação na proximidade (segundo a definição de “aura” de Benjamin) significa que o objecto permanece inacessível. Daí a conclusão de JPP: quanto maior é o desejo de possessão das câmaras, mais o objecto do seu desejo resiste a ele. Porque, evidentemente, a “verdade” pertence a uma outra ordem que não é a da exposição secularizada – é o atributo de uma autoridade religiosa. Se quisermos perceber a persistência do teológico-político, sob a forma de um culto prestado a uma autoridade temporal que lhe concede uma máscara religiosa, não devemos dispensar este texto de JPP.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 17.5.2008
[publicação retroactiva]


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