A ecologia política (António Guerreiro)
«Numa passagem da sua trilogia Esferas, o filósofo alemão Peter Sloterdijk observa que foi só depois das crises ecológicas que se soube verdadeiramente que o mundo era redondo, porque as consequências das nossas ações acabam sempre por regressar a nós. E dá este exemplo: as aves selvagens do Ártico e da Antártida assimilam as resistências aos antibióticos dos animais domésticos. Em suma: estão completamente globalizadas. Por mais que a ecologia política oficial tente despolitizarr a questão da ecologia, o facto de as crises ecológicas transformarem o mundo, na sua totalidade, em espaço público tem levado a reclamar uma repolitização da ecologia, o que implica inventar a representação política dos humanos com os seus associados não humanos. O sociólogo francês André Gorz (que se suicidou em 2007) foi uma das figuras fundamentais que, desde os anos 70 do século passado, tentaram pensar uma ecologia política. A sua posição, muito embora crítica em relação ao capitalismo e tentando encontrar novas orientações no interior do socialismo, opõe-se à dos ‘naturalistas’, às aspirações nostálgicas a uma sociedade comunitária que caracterizaram os grupos de extrema-esquerda. A convicção de Gorz era a de que havia uma proximidade entre esses grupos que marcaram o nascimento da ecologia política com os integrismos religiosos e os nacionalismos de extrema-direita. Uns e outros faziam da modernidade e dos seus projectos de emancipação um inimigo a abater. A utopia dos ‘verdes’ mais radicais consistia na desindustrialização, reatualizando de forma regressiva o projecto da sociedade comunista. E como, para a realização desta utopia, não havia um sujeito social ou histórico, acreditava-se que o capitalismo nem precisava de ser combatido por uma classe revolucionária, ele cumpriria pelos seus próprios meios um destino de ruína e catástrofe da civilização industrial. Uma ordem natural seria assim restabelecida. | André Gorz cita um fundamentalista ‘verde’, Jürgen Dahl, que já em 1990 escrevia no jornal Die Ziet: “O mundo é vítima da opulência na qual viveu às suas custas, mas desse modo ele também se renova e acabará por encontrar um equilíbrio com um pouco menos de habitantes, de beleza e de riqueza. Uma grande pobreza será a consequência necessária da opulência. Só a pobreza nos poderá salvar.” A natureza da ecologia política de Gorz, pelo contrário, não é a dos naturalistas, consiste na defesa do mundo vivido, de uma cultura do quotidiano. Segundo ele, a reestruturação ecológica da sociedade exige que a racionalidade económica seja subordinada a uma racionalidade ecossocial. O que é incompatível com o paradigma capitalista da maximização do lucro. É isso que o leva a defender a necessidade de uma saída da ‘sociedade do trabalho’ para uma sociedade onde as atividades sem objectivo económico, públicas e privadas, serão preponderantes. A sua ideia era a de que, verificando-se uma diminuição contínua do volume de trabalho disponível (o que leva a um crescimento imparável do número de desempregados), a única maneira de evitar a exclusão seria a redistribuição do trabalho, tornando o salário independente não do trabalho mas da duração do trabalho. Não se tratava, na sua teoria, de instituir um ‘rendimento universal’ que se adquire pelo simples facto da cidadania, mas de garantir a toda a gente um salário inteiro, ainda que trabalhando um número de horas reduzido. A ecologia política de Gorz passava precisamente pelas questões do trabalho e fundava-se num otimismo antropológico que está em contraste com a afirmação de Lévi-Strauss, no fim de Tristes Trópicos: “O mundo começou sem o homem e acabará sem ele.”» António Guerreiro, «A ecologia política», Expresso-Actual, 17.7.2010. |
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