Ao pé da letra #106 (António Guerreiro)
Sobre uma invenção que nunca se afigurou convincente mas que promete salvar a indústria do livro | |
«Depois de uma primeira tentativa falhada, há cerca de uma década, o e-book regressou como um novo fenómeno plausível da indústria do livro, capaz até de intervir na sociologia da leitura. Ao contrário de muitos outros dispositivos e instrumentos técnicos, o livro parece insuperável e ninguém sente a necessidade de o aperfeiçoar; já o sucesso do e-book depende da sua eficácia em imitar a forma livro, e não resultou da primeira vez exactamente porque a imitação era muito deficiente. Estranha invenção esta que entra no futuro às arrecuas. A exigência a que o e-book responde parece vir integralmente da indústria do livro. | Trata-se de ganhar mais camadas de leitores, segundo aquele princípio — agora potenciado pelas regras exacerbadas do consumo — que já tinha determinado a entrada em cena do livro de bolso, em 1935: há um mercado potencial enorme a explorar, não do lado dos leitores que procuram o que querem ler, mas do lado dos que comprarão qualquer livro desde que a sua tiragem seja bastante elevada e ele tenha sido comprado por uma multidão. A indústria do livro só cumpre a sua missão de maneira completamente racional, nesta condição: dirigindo-se a um leitor que não procura mas acabará, ainda assim, por encontrar; que não sabe o que quer, mas gostaria, no entanto, de escolher.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 31.7.2010. |
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